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Olhares Olhares 2016

O tempo e a natureza como mestres da infância

A imersão foi total. Nessa fria manhã de São Paulo, a sala 1 do Espaço Itaú de Cinema Augusta esteve lotada por gente querendo ver, entender e sentir um pouco da experiência vivenciada por Suzanne Crocker e sua família. A canadense decidiu, com seu marido, deixar a vida na cidade – e seus confortos – e passar um período numa região inóspita e gelada no Território de Yukon com os três filhos. Chegaram a pegar – 51oC.

Lá, na cabana que construíram e onde passaram nove meses, não tinham eletricidade, água corrente, acesso para estradas e nem vizinhos.

“Todo o Tempo do Mundo” conta essa história, registrada pela própria protagonista-mãe- diretora – presente na sessão. Para quem tem reclamado da temperatura na capital paulista nos últimos dias, as cenas repletas de gelo, muita roupa, rio e galhos congelados estampadas na telona podem ter causado frio na espinha. Mas as relações entre os cinco membros da família, o afeto entre eles, a forte relação com a natureza, a criatividade das crianças em ocupar seus tempos livres certamente aqueceram a sala de cinema.

Suzanne queria ter uma outra perspectiva, criar uma nova relação com os filhos – com 10, 8 e 4 anos na época. Sentia, em alguns momentos, que estavam se separando. Surgiu então a ideia da viagem – bem anterior à decisão de registrar o dia a dia deles (e originar esse documentário). E agora, mesmo que cinco anos tenham se passado, ela conta que “sente tristeza todas as vezes que vê o filme: a tristeza de sair do mato”.

Foi a relação com a natureza – com seus ciclos e nuances – e a proximidade entre os pais e seus filhos que gerou tanta riqueza. Foi lá que Suzanne sentiu uma “grande alteração da mentalidade” ao dizer muito mais “sim” aos filhos que os habituais e preventivos “não”. Uma das crianças menciona “aquela grande cama familiar” como um dos momentos mais especiais da experiência. Em outro momento, ouvimos também vindo das pequenas: “não, não estou pronta para deixar o mato”.

Na conversa que se seguiu à exibição, a mãe / diretora reforça a questão do tempo e sua percepção. No documentário, ela pontua: “foi incrível o que aconteceu sem relógios: quando se retira essa estrutura do tempo, ficamos no presente”. Atualmente vivendo no Canadá em sua cidade de origem – com seus 1500 habitantes – Suzanne diz que não usa relógio de pulso, não tem celular e o computador necessário para o trabalho é trancado no armário quando não está sendo usado.

Para ela, é fundamental estar integralmente no momento presente. Seus filhos não têm tela à disposição – em nenhum formato – garante que não sentem falta e sabem usufruir de seus tempos livres. Suzanne defende que as crianças precisam de tempo e espaço; que com esses elementos, as brincadeiras surgem, a criatividade brota e as experiências acontecem naturalmente.

Gandhy Piorski, pesquisador da infância, presente no bate-papo, relembra uma fala de Ailton Krenak, líder indígena que esteve na primeira Roda de Conversa da Ciranda. Diz que “a natureza é mesmo como uma mãe rigorosa”. E ele elogia a coragem de Suzanne e seu marido em levar os filhos para um lugar gélido, isolado com o risco de se pegar a “febre da cabana” (referência a algo como o delírio, provocado por temperaturas muito baixas). “Poucas mães têm a coragem de mostrar, de fato, a severidade das coisas”.

Piorski enfatiza também a “busca de um propósito” vivida por aquela família. E destaca a importância das experiências: “As crianças precisam desse grau de inteireza”. Menciona como exemplo, o fato de todas elas manusearem instrumentos reais, como machados e brinca sugerindo que, se fossem de plástico, soaria “falso” porque não repercutiria no corpo.

Texto: Regina Cintra

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Olhares Olhares 2015

Mutum: o profundo do Sertão e da Infância

A infância sertaneja e sua profunda ligação com a natureza. De um diálogo com a obra “Campo Geral” de Guimarães Rosa e inspirado no personagem Miguilim, o filme Mutum“, da diretora Sandra Kogut é um dos destaques da programação da Ciranda.
Este é o primeiro filme de ficção da diretora. Antes disso ela realizou diversos documentários. Da delicada sensibilidade e olhar entre a ficção e a vida real, Sandra criou Mutum“. Conversamos com a diretora, que compartilhou com a gente seu profundo interesse pelas pessoas e pelo mundo que elas carregam.
Ciranda: Conte um pouco pra gente sobre seu interesse pelas pessoas, sua identidade, na conexão entre elas além dos limites sociais e das relações do homem comum e do sujeito-personagem. Como essas coisas permeiam o seu trabalho?
Sandra Kogut: Talvez seja o único motivo pelo qual eu faço filmes: meu interesse pelas pessoas, o mundo que elas carregam. Quando faço um filme, preciso sentir o que cada personagem sente, ir com eles aos lugares emocionais que eles vão, só assim consigo dirigi-los. Só assim sei o que fazer, para onde ir. Sempre penso que para fazer um filme eu preciso me sentir em casa. Mas me sentir em casa emocionalmente, entender o que cada personagem sente naquela hora. O resto é decorrência. Por isso achei que podia fazer um filme no sertão, apesar de ser uma pessoa urbana, distante daquele mundo. Eu sabia muito bem o que esse menino sentia. Sabia o que cada um ali sentia.
Ciranda: O documentário tem a escuta como parte penetrante no roteiro; o que o outro fala modifica as intenções de um filme. Conte um pouco pra gente o que seu repertório de documentarista, de se colocar, sensível, à disposição da história do outro, proporcionou ao “Mutum”.
Sandra: Primeiro teve a maneira de chegar no filme. A pesquisa, as viagens, a escolha do elenco – tudo isso foi um longo processo, onde eu ia confrontando a história do livro e do roteiro com um lugar, as pessoas que moravam ali, as relações entre elas. Como se estivesse buscando quem pudesse dar vida aquela história pela sua própria história de vida. Sempre chego nos lugares através das pessoas, o rosto pra mim é a melhor paisagem. Em seguida veio o trabalho com os “atores”. Nunca digo a eles o que fazer, e menos ainda porque faze-lo, mas tento criar neles a necessidade daquela cena, daquelas palavras. Isso se parece muito com o meu trabalho nos documentários.
Quando preciso que alguém diga algo num filme, tento criar a necessidade de dizer aquilo naquela pessoa, senão eu sei que vai ficar ruim, vai ficar falso. Se eu digo a um ator que ele precisa chorar, estou entregando o problema pra ele. Não trabalho assim. Crio uma situação que vai provocar aquela emoção nele. Nos documentários é a mesma coisa. Crio situações que vão levar as pessoas a dizerem e falarem certas coisas. Pego o problema para mim, em vez de entrega-lo à eles. Considero que isso é trabalho do diretor.
Ciranda: Você comenta sobre a visão romantizada do sertão e sobre o esforço que fez para que os elementos de Mutum permanecesse na vida de verdade, como ela é. Gostaria de fazer um paralelo com a visão romantizada da infância, que sempre tenta “abster” e “proteger” a criança dos dramas e conflitos da vida real. Na construção do roteiro, e no diálogo com Guimarães, que infância é esta que está em “Mutum”?
Sandra: Nunca tive uma visão romantizada da infância, apesar de saber que ela é o que há de mais clichê, mais comum. Pra mim a infância é uma época sombria da vida, na qual é difícil entender e aceitar as regras, que sempre parecem injustas. O seu pai dá gargalhadas com um amigo comentando uma batida de carro, e te deixa de castigo porque você derramou um copo de leite. Sei lá, coisas desse tipo. As crianças precisam de autorização para tudo, dependem dos adultos para tudo, e muitas vezes se sentem incompreendidas, sem saber o que fazer com aquele mundo interior gigantesco que elas carregam e ninguém entende. O mundo dos adultos é inaccessível, misterioso, e ameaçador. A infância é fisicamente apertada, cabe num quarto. Fora daqueles limites tudo é abstrato. A miopia de Thiago é a materialização mais bacana disso tudo. Na infância temos uma visão aguda do que está perto, ao alcance da mão, e nebulosa dos mistérios que cercam o nosso pequeno mundo.
Ciranda: Como a relação entre a natureza e Thiago  (protagonista) foi importante para compor a história do filme? Qual a importância dessa relação e seus potenciais poéticos em “Mutum”?
Sandra: A natureza do filme representa o mundo interno dos personagens, materializa seus medos, seus fantasmas, seus sonhos. Me interesso pela paisagem mental. A natureza no Mutum é assim: concreta, dura, real, e ao mesmo tempo totalmente mental. A natureza não é uma paisagem a ser contemplada, é um espaço de experiência, de muito trabalho, de luta pela existência (não só física mas também moral, e psicológica). Não tem nada a ver com a natureza cartão-postal. Não existem paisagens espetaculares no filme, nada é grandioso. Achei importante que a natureza permanecesse na escala humana. Porque a medida de tudo é sempre as pessoas, e como elas se relacionam com essa natureza.
Saiba mais sobre o filme aqui.
 
Veja no site do filme a linda entrevista feita por Franck Gargarz.
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Olhares Olhares 2015

A busca de Lila

“Ciências Naturais” é precioso filme do diretor argentino Matías Lucchesi. O filme trata a crise existencial de uma pré-adolescente que não tem qualquer informação sobre seu pai, exceto alguns detalhes que são suficientes para que Lila se aventure na busca deste que nunca chegou a conhecer.
Lila tem doze anos. Sua determinação e personalidade – apresentadas em várias tonalidades na tela – mostram uma pequena crescendo, se conhecendo e amadurecendo diante de sua situação, e diante dos nossos olhos. Nos tornamos testemunhas de seu crescimento. Ela toma decisões e segue o caminho que vai alimentando sua curiosidade e seu movimento.
Com grande interpretação da pequena atriz Paula Hertzog, esse personagem representa uma etapa da vida inquietante que implica na manifestação de muitas incertezas, conclusões e segredos. Nesse caso, a menina é certeira e direta para expressar seus desejos, exigir seus direitos, questionar certas atitudes dos adultos e exigir respostas às suas perguntas que vão desde a investigação sobre um nome, uma cidade até uma data. Nesses casos, a discrição não é uma característica de seu comportamento. Lila é autêntica e fiel às suas convicções.
Ela estuda, tem companheiros de escola em meio a um lugar hostil, frio, silencioso. Sem dúvida entendemos suas razões por causa disso, ao mesmo tempo que não é suficiente para saber quem é ela.  Nos tornamos cúmplices de sua jornada para entender suas origens e o seu mundo interior. Lila não luta contra o que sente; sua angústia é evidente frente a falta de respostas de sua mãe e o desinteresse sobre o que acontece na escola. Cada palavra e cada ação são manifestações de seus anseios para conseguir seu objetivo.
Logo nos primeiros vinte minutos do filme fica evidente que a menina não vai parar até conseguir o que quer. Quando ela consegue um aliado, sua atitude muda, volta a ser mais doce e infantil. É sua professora quem encara a situação e a ajuda sem tentar convencê-la de que está equivocada, ou de que sua intenção de conhecer seu pai é um erro. Ela a acompanha e, de algum modo, a deixa ser. Por isso não intervém nas conversas que Lila consegue ter com as pessoas durante sua aventura e vontade de ver e conhecer seu progenitor. Deixa que a menina conduza cada situação a seu modo. A menina de doze anos não tem nada. Ou melhor, não tem nada a perder ao tentar contatar seu pai.
Esteticamente a película estabelece um diálogo com o espectador do começo ao fim. A escolha de planos, dos diálogos, da luz, do design de som, dos cenários, das interpretações compõem um relato hamornioso com economia de recursos e com uma delicadeza extrema. O diretor escolheu compor uma narrativa de poucos personagens e pouco diálogo. Sem dúvida, cada um deles e cada frase dita são importantes para a leitura do filme.
Ainda mais importante é a apresentação de um conflito que acontece de maneira recorrente em nossa sociedade, e a potente construção dessa personagem que está crescendo e faz o que faz pela força do seu desejo e não para cumprir com uma exigência social.
 
Mais informações sobre o filme aqui.
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Olhares Olhares 2015

Inícios e tonalidades infantis

Sobre o  “Na idade da Inocência”, Dir.: François Truffaut. Filme participante da Ciranda 2015.

Um clássico de cinema tem a força de sua atemporalidade, marca uma época, a história inteira do cinema, e a história de várias gerações. François Truffaut fez parte de uma geração de cineastas e críticos franceses que colaboraram para, entre outras coisas, a consolidação da ideia do cinema de autor.

De forma recorrente, Truffaut fez uma série de inserções biográficas em seus filmes, como alguém que mistura sua vida à das personagens, na intenção de articular sentidos para si e compartilhá-los com os demais, como o próprio exercício do viver. Em todas as entrevistas concebidas,  ele sempre falou isso com muita naturalidade, identificando e abrindo sua história pessoal em meio as explanações sobre seus filmes e sobre o cinema de um modo geral.

O filme “Na idade da inocência” é uma dessas interações com uma forte declaração sobre a infância, seu desejo de autonomia e sua necessidade de ternura. Entre personagens criados, colhidos e descobertos em Thiers, uma pequeno município no Puy-de-Dôme, na França (onde foi gravado o filme), está a representação da força irreversível da vida e dos seus ritos de passagem, das descobertas e manifestos em favor da emancipação das situações dadas,  o amadurecimento precoce, etc. Todas as fases da infância são representadas, desde a sua espera, a primeira infância, os anos posteriores até os 12 anos de idade.

A infância e a adolescência se identificam com a vida como iniciação. A infância como início, nascimento e alumbramento. O filme vai fazendo descobertas e nos apresentando as realidades da vida infantil, seus traços de absurdo e tudo aquilo que a infância dilata e torna único. Na relação entre ficção e realidade, há conexões com a lógica e a construção de significados infantis.

Truffaut escolheu trabalhar com situações mais flexíveis que permitissem com que as crianças – oriundas dessa cidade – interagissem com as intenções do filme e inserissem, sem artificialismos, sua participação ao filme. Ele optou por não fazer das crianças arautos de uma história criada por ele; as crianças improvisavam – eram elas mesmas, a todo momento. O roteiro indicava apontamentos e objetivos das cenas e, muitas vezes, as falas dos adultos eram como “sementes” da espontaneidade infantil. Assim, nos aproximamos de um mosaico de tonalidades de ser criança, cada uma delas, ao seu modo, se encontra  à diversidade do ambiente escolar.

Os adultos não criam oposição às crianças. Na maioria das vezes, eles são colocados como fracos, algumas vezes como inválidos, outras vezes como prejudicados por alguma situação da vida. Eles não são colocados como pessoas ruins. Por sua vez, o professor é aquele que consegue fazer a mediação com as crianças. Mais do que isso, é aquele que quer estar perto delas.

A cidade se sensibiliza com a história de abandono e maus-tratos do personagem Julien. As crianças estão às vésperas das férias de verão e da finalização daquele ano escolar, uma passagem se enuncia. O professor faz dela um ritual para o crescimento e o amadurecimento, um conselho. Uma relação gente-com-gente, em favor dos direitos da infância, da sua produção de sentidos, significados da vida e de sua felicidade. Ele convida as crianças a acessar a vida, identificar as formas de poder do adulto sobre a infância, identificar o poder que perpassa suas subjetividades infantis na forma de vida e de direitos que devem ser permanentemente reivindicados.  O educador como iluminador de potências.

O professor estimula as crianças como seres políticos que intervêm, eles próprios, em suas realidades, munidas de seus direitos e da sua vibração de vida. Uma ode à infância como estado de início e emancipação.

Para saber mais sobre o filme, clique aqui.

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Olhares Olhares 2015

Visibilidade, afetos e desenvolvimento

Dentro de nossa estrutura social, a família sempre foi considerada uma das mais fortes instituições devido a sua representatividade de poder e influência. Por outro lado, em uma perspectiva psicológica, a família tem um papel fundamental no desenvolvimento infantil, baseado em seu apoio à construção de fortes estruturas emocionais e afetivas que irão determinar o desenvolvimento individual e social da criança por toda sua vida. Articulando a tradição institucional da família, a sua importância e a diversidade de realidades da vida contemporânea, temos várias condições e composições familiares que nos distanciam de modelos e normatizações e, por isso, nos indica a necessidade de olhar e estudar com atenção e sensibilidade.

 

A primeira Roda de Conversa da Ciranda 2015 reuniu Susan Andrews, Rosely Sayão e Ada Pellegrini para discutir, cada uma a seu modo, diversas dimensões familiares, sua relação com a espiritualidade, com a neurociência e a psicologia.

 

A família, seja qual composição tiver, oferece a criação das primeiras relações, vínculos e conexões fortes entre as pessoas. Essas conexões têm a ver com as trocas que elas realizam, com a raiz de seu desenvolvimento emocional e da ideia de si mesmo. Essas trocas são conhecidas como “trocas positivas”, que são aqueles atos entre um casal, a família, os filhos, os amigos; pequenas ou grandes comunidades nas quais estamos inseridos. Esse intercâmbio alimenta relações saudáveis que afastam o que conhecemos como ameaças ao desenvolvimento de alguém.

Uma ação negativa (maltrato físico, verbal, abusos repetitivos, etc.) tem graves consequências no desenvolvimento de uma pessoa. Não é uma tarefa fácil reverter os danos causados por esses tipos de feitos, embora tenham ações positivas que ajudam a restituir o bem-estar psicológico e um ambiente agradável.

 

E as crianças que vivem em situações familiares que não proporcionam essas trocas positivas? Do ponto de vista do desenvolvimento psicológico e social, como poderíamos considerar as outras situações, pessoas e influências que proporcionam o desenvolvimento infantil e o intercâmbio positivo? Vários filmes da programação da Ciranda foram citados, durante a Roda de conversa, enriquecendo essas reflexões. Tiveram destaque os longas; Sam” de Elena Hazanov, e “A Indomável Sonhadora” de Benh Zeitlin, e os curtas; “A Menina Espantalho” de Cássio Pereira dos Santos, “A Panelinha de Anatole” de Eric Montchaud e “A Conquista do Espaço” de Chico Deniz.

 

Há alguns tipos de situações em que a infância é tratada como um estado de invisibilidade. A família proporciona essa visibilidade, pertencimento e afeto tão necessários para vida. O trabalho dedicado às crianças tem também um papel importante para acabar com essa invisibilidade; os adultos têm uma importância fundamental na visibilidade das crianças.

 

É importante termos em conta o que significa a “superação dos limites” impostos por uma situação. Fundamentalmente, a família tem uma importância muito significativa, seja nas trocas positivas ou nas negativas; seja no desenvolvimento afetuoso e sereno, seja na necessidade de superação de uma situação dada. Adiante, quando a criança cresce, a família é superada para que ela possa assumir a sua própria vida. 

Roda de conversa: Famílias (2015)

Com Susan Andrews, Rosely Sayão e Ada Pellegrini

Moderação: Patrícia Durães


Texto: Vanessa Fort

Fotos: Aline Arruda/Ciranda de filmes 

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Olhares Olhares 2017

O pão no centro da transformação

O pão é um alimento que passa por uma das mais incríveis jornadas de transformação. Que mágica acontece para que um pequeno grão de trigo vire uma bela massa de casca crocante, insuflada de complexos aromas e sabores?
Quando essa misteriosa transmutação acontece, algo também muda em quem faz o pão. “Existe algo de encantador em misturar a farinha e a água até eles virarem algo diferente. Isso mexe com a gente, desperta a nossa curiosidade e nos dá um outro olhar sobre a natureza da vida”, conta a padeira artesanal Vania Carvalho, fundadora do Quintal da Aurélia, em São Paulo, e que, durante a 4a Ciranda de Filmes, dará oficinas para quem literalmente quer colocar a mão a massa. 
Começamos a sentir essa transformação na ponta dos nossos dedos. Afinal, o pão só cresce se colocarmos a mão na massa, misturando bem a farinha e a água. É o que vemos as mulheres fazendo, ajoelhadas no chão, sovando e dobrando longamente a massa do pane carasau, um pão achatado típico da Sardenha, na Itália, no documentário “Il Pane dei Pastore” (1962).
Nesse ritual comunitário, elas permanecem em silêncio, devotando atenção total ao pão. Já os alunos de Vania são bem conversadeiros. “É interessante como esse fazer junto cria um senso de comunidade. As pessoas compartilham histórias, redescobrem sentimentos e, assim, algumas delas conseguem, por exemplo, superar um momento ruim.”
Depois de tanta sova, chega a hora de deixar o fermento agir sobre o trigo, sem pressa. A espera exige paciência, pois a massa ganha vida a seu tempo, sem seguir o nosso relógio, que tudo quer apressar. Quem se aventura no universo da longa fermentação aprende a controlar a ansiedade, pois um pão desses pode levar até 36 horas para ficar pronto. E não adianta apressar o processo, senão a massa cresce menos do que deveria e o pão desanda de vez.
A longa espera é uma oportunidade para desenvolvermos os sentidos e a intuição, essenciais para saber quando a massa está no ponto para ir ao forno, já que não existe uma fórmula pronta. O padeiro Nicolas Supior, por exemplo, usa as palmas das mãos para sentir, levemente, a consistência da massa que cresce em um grande tacho de madeira na cozinha onde ele prepara seus pães artesanais, no interior da França, como mostra o documentário “La Passion du Pain” (2007). Pelo tato, ele percebe se a massa está firme e aerada a contento. Enquanto isso, nada de mexer com ela. “A intervenção deve ser a mínima possível, e sempre no bom momento”, ele ensina, antes de moldar pequenas bolas que repousarão em cestos de vime até completar a fermentação.
A experiência de observar a fermentação nos mostra que até os micróbios têm seu lado bom. Para Vania, acompanhar esse processo é bastante educativo para as crianças, pois muda sua visão sobre os micro-organismos que tanto combatemos no dia a dia. Sai o nojo, entra a admiração pelo fermento que vai fazer a massa inflar até virar pão.
Ao convocar as crianças para por a mão na massa, transformamos também a sua relação com a comida e com a comunidade. De volta à Sardenha, enquanto as mulheres sentam em círculo para modelar os discos do pane carasau, meninos e meninas se ajeitam fora da roda e ganham um pedaço menor de massa para praticar também – segundo o narrador, é assim que aprendem a importância do brincar e do trabalhar. “Com as mãos, a gente transmite amor para o pão. Elas sentem que esse alimento não vai nutrir só o seu corpo, mas também seus afetos e tomam gosto por cozinhar”, explica Vania. “Quem não faz sua comida passa a vida toda na mão da indústria.”
O jornalista norte-americano Michael Pollan, autor do livro “Cozinhar – A Arte da Transformação”, concorda. Para ele, fermentar pães, compotas e iogurtes em casa é uma forma de protestar contra a homogeneização imposta pela indústria alimentícia. Quem cria sua receita, portanto, descobre novos e complexos sabores e, assim, torna-se independente de uma lógica econômica na qual somos consumidores passivos de produtos padronizados.
Mas a nossa transformação não termina quando o pão sai do forno. Para começar tudo outra vez, não dá para esquecer de alimentar o fermento natural, ou levain, avisa o francês Supior, mostrando a pequena tigela com a massa onde crescerão os novos micro-organismos que darão vida a um novo pão. Todo dia é preciso renovar a mistura de água e farinha, senão a colônia de micróbios se consome e morre. Fica aí a última lição: a disciplina e a serenidade para flertar, todo dia, com o frágil limite entre a exuberância e a podridão.
Texto: Bruna Fontes
Foto: Quintal da Aurélia
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Constantin de Tugny

Artista multimídia, formado em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense, e atualmente em mestrado em Meios e Processos Audiovisuais na USP. Atua sobretudo nas
áreas de ilustração em animação, com experiência profissional como produtor de arte. Atuou como Vevé, protagonista do episódio Procissão das almas no longa Pequenas histórias (2007), de Helvécio Ratton.

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Matheus Abreu

Com apenas 23 anos, Matheus Abreu vem construindo uma sólida carreira na televisão e no cinema. Em 2017, ele estreou na Tv Globo após ser escolhido por Luiz Fernando Carvalho para viver os gêmeos Omar e Yaqub na primeira fase da minissérie ‘Dois Irmãos’ (vividos por Cauã Reymond na fase adulta). Em seguida, foi protagonista de ‘Malhação’ e integrou o elenco de ‘O Sétimo Guardião’. No cinema, protagonizou o longa O segredo dos diamantes, de Helvécio Ratton, fez uma participação no premiado ”Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, de Daniel Ribeiro, e mais recentemente esteve no elenco principal do longa “Pureza” (de Renato Barbieri), ao lado de Dira Paes. Em 2020, ele encara o seu maior desafio: interpretar Thiago Soares, o bailarino carioca que saiu de uma infância pobre em Vila Isabel e se tornou estrela do Royal Ballet de Londres e um dos maiores nomes da dança no mundo.

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Patricia Durães

É idealizadora e curadora da Ciranda de Filmes. Desenvolve há mais de 30 anos projetos e cursos com cinema e educação para a formação de novas plateias. Diretora do Grupo Espaço de Cinema (Cinemas Itaú, Circuito Cinearte e Cinespaço), criadora do Projeto Escola no Cinema e do Clube do Professor e colaboradora do Festival da Juventude da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Na distribuidora Espaço Filmes, é responsável pelo lançamento de filmes infantis no Brasil como o sueco Linéia no Jardim de Monet, Kiriku e a Feiticeira e Príncipes e Princesas de Michel Ocelot.

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Fernanda Heinz Figueiredo

É idealizadora e curadora da Ciranda de Filmes. Dedica-se, juntamente com seus parceiros da Aiuê Produtora, à concepção, direção e produção de conteúdo audiovisual relacionado à educação, cultura e desenvolvimento sustentável. Sementes do Nosso Quintal (2014), seu primeiro longa lançado na Ciranda de Filmes, retrata a experiência de sua primeira escola quintal, a Te-Arte, e foi premiado pelo público da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e do Festival du Film d’Éducation na França.