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Olhares Olhares 2015

O filme continua quando acaba

Acreditamos que juntar pessoas que fazem do seu trabalho objeto de reconciliação é ato de potência criativa do encontro. Como iniciativa da Oficina de Crítica Cinematográfica, a Ciranda promove com Sérgio Rizzo (responsável pela oficina), José Geraldo Couto e diversos educadores, uma roda de conversa virtual para clarear uma das tantas intenções: a aproximação da arte cinematográfica como experiência coletiva e de comunhão. Quem não conferiu a primeira parte da prosa, clique aqui.
Os convidados dessa segunda parte são:
Denise Beraldo: Professora de Bebês e Crianças Pequenas. É Pedagoga e Graduada em Comunicação Social. Atua em formação continuada para profissionais da primeira infância.
João Pires: trabalha há 11 anos com Educação, tendo passado por diversas escolas da rede particular de São Paulo. Atualmente trabalha com produção de material didático digital para a Uno e é tutor no curso de especialização Gêneros e Diversidade na Escola da UFABC.
Sérgio Rizzo (responsável pela Oficina): Jornalista e doutor em Meios e Processos Audiovisuais, com tese sobre a formação de professores para a educação audiovisual (ECA-USP). Diretor de projetos do Laboratório de Mídia e Educação (MEL – Media Education Lab) e colaborador dos jornais “Valor Econômico”, “Folha de S. Paulo” e “O Globo”, apresentador do canal de TV Arte 1 e colunista das revistas “Educação”, “Escola Pública”, “Língua Portuguesa”, “Carta na Escola” e “Carta Fundamental”.Dá aulas na pós-graduação da FAAP e da PUC-SP, na Academia Internacional de Cinema, no Museu da Imagem e do Som, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc e no Espaço Itaú de Cinema. É membro do comitê de seleção do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários.
José Geraldo Couto: é crítico de cinema, jornalista e tradutor. Trabalhou durante mais de vinte anos na Folha de S. Paulo e três na revista Set. Publicou, entre outros livros André Breton (Brasiliense), Brasil: Anos 60 (Ática) e Futebol brasileiro hoje (Publifolha). Participou com artigos e ensaios dos livros O cinema dos anos 80 (Brasiliense), Folha conta 100 anos de cinema (Imago) e Os filmes que sonhamos (Lume), entre outros. Escreve regularmente sobre cinema para a revista Carta Capital e mantém uma coluna de cinema no blog do Instituto Moreira Salles.
Ciranda: Com o desafios do trabalho com as crianças e do urgente debate em torno aos processos educativos dedicados a elas, como você avalia a necessidade da formação de críticos especializados na produção de filmes sobre infância, para infância e educação? 
José Geraldo Couto: Penso que seria interessante a formação de críticos especializados em filmes sobre e/ou para a infância, dada a especificidade dessa produção e os temas delicados envolvidos nela e em sua recepção. Acho que uma tal formação exigiria alguns conhecimentos na área da psicologia e da educação, além de conhecimentos extensos dessa filmografia específica. Quanto mais filmes o crítico conhecer nesse campo da produção, mais estará apto a estabelecer relações, discernir o que é relevante, detectar novidades etc.
João Pires : Como você acha que o cinema pode contribuir para as discussões sobre identidade de gênero e diversidade sexual na escola? Você poderia compartilhar com a gente alguns filmes e personagens que você acredita que proporcionam isso?
Sérgio Rizzo: Depende muito da  idade das crianças e adolescentes com as quais trabalhe o educador. Pensando em adolescentes de Ensino Médio, por exemplo, filmes de Pedro Almodóvar são uma boa referência — e o livro “Sexualidade e Transgressão no Cinema de Pedro Almodóvar”, de Antonio Carlos Egypto, autor de diversos livros sobre educação sexual, é um bom guia para uso do educador interessado nesses temas.
José Geraldo Couto: Caro João, existem inúmeros filmes que abordam, de forma direta ou indireta, questões ligadas a identidade de gênero e diversidade sexual. Tudo depende da adequação desses filmes ao seu público, levando em conta especialmente a idade e maturidade dos alunos/espectadores. Dou alguns exemplos. Um filme muito interessante e indicado “para todas as idades” é o belga “Minha Vida em Cor-de-Rosa” (1997), de Alain Berliner, sobre um garoto que se identifica com as meninas e sente vontade de ser uma delas. Para um público especificamente mais adolescente, há dois filmes brasileiros que me parecem suscitar boas conversas: “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” (2014), de Daniel Ribeiro, e “As Melhores Coisas do Mundo” (2010), da Laís Bodanzky. Como se trata de questões complexas e delicadas, tão importante quanto a escolha dos filmes é a sensibilidade do professor ao discuti-los com seus alunos.
Denise Beraldo: Pensando no cinema e nas linguagens que envolvem o processo de cuidar e educar bebês e crianças pequenas,  como a linguagem cinematográfica pode contribuir no processo de formação de educadores da primeira infância? Qual é a principal semelhança que você reconhece entre o trabalho do roteirista e do educador da infância?  Para você,  ambos constroem narrativas?
Sérgio Rizzo: Um educador que trabalhe com a primeira infância encontrará no cinema, em primeiro lugar, um vasto repertório de abordagens da infância, na ficção e no documentário. Refiro-me a inúmeros filmes de curta e longa-metragem que podem ajudar na reflexão sobre os valores e as práticas envolvidas no cuidado com crianças, nos domínios familiar, social e escolar. O cinema pode ser também, como as demais artes, uma instância de desenvolvimento da sensibilidade, algo valioso para todos os educadores, não só os que trabalham com bebês e crianças.
Diferentemente do que imagina o senso comum, roteiristas não são os únicos profissionais de cinema envolvidos na construção de narrativas; dividem essa condição, na pior das hipóteses, com os diretores e os montadores (hoje mais frequentemente tratados como “editores”). A narrativa de todo filme passa obrigatoriamente pela contribuição desses três profissionais. Parece-me que o educador da infância pode se relacionar com as narrativas do cinema da mesma forma que se relaciona com a tradição das narrativas literárias, sobretudo a dos contos de fadas e fábulas, no caso dos educadores da primeira infância: como modos ricos e envolventes de representar o mundo e de convidar a reflexões sobre a nossa presença nele.
Ciranda: Quais desafios e possibilidades você enxerga da Lei 13.006 de Cinema brasileiro nas Escolas, criada pelo Cristovam Buarque? Qual o papel e a importância que os críticos de cinema têm na construção deste novo cenário?
Sérgio Rizzo: Críticos que sejam também educadores e pesquisadores terão certamente contribuição a dar na formulação de políticas e estratégias que, como apontei anteriormente, evitem a “escolarização” do cinema. Alguns dos principais desafios dizem respeito à familiarização de educadores com a linguagem audiovisual, com a presença do audiovisual na sociedade, com os mecanismos de recepção e com as múltiplas possibilidades de aproximação entre o cinema e a educação, que não se restringem, como muitos entendem, a um uso do audiovisual como mera ferramenta paradidática para a ilustração de conteúdos.
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Minha mãe é um avião!

Minha mãe é um avião, Rússia, 7 min, Dir.: Yulia Aronova.
Filme participante da Ciranda 2015.
A criança interpreta e significa com mediação de seu imaginário. Ela vive profundamente o que imagina e interpreta com seu repertório de significados e sonhos. Na maioria das vezes, quando já sabe identificar e nomear as coisas,  defende suas invenções com milhares de argumentos.
“Minha mãe é um avião?” “O qué é um avião então?” “É algo grande, é uma máquina forte e voa!!!” “E isso tudo é uma mãe? “Sim”, pode dizer a maioria das crianças que amam o avião assim como a sua mãe. “Minha mãe é um avião e eu vou junto com ela”. Por quê? “Porque a minha mãe me ama e vai me amar sempre. Porque ela é perfeita, divertida, preciosa. Ela não tem medo nem chora. Ela é única, minha heroína. A mamãe é tudo.”
Nada mais simbólico do que associa-lá a melhor coisa de um imaginário de liberdade e força. Relação profunda e livre de qualquer obstáculo ou vedação. Aparentemente positivo, esse vínculo simbólico esconde um papel social com peso superestimado das exigências sofridas pelas mães. A sobrecarrega de responsabilidade transborda o vínculo com tonalidades negativas.
Mãe é gente como a gente, afinal. Como a criança descobre e significa isso também?
Esse avião poderoso representa o conjunto de qualidades da supermãe e ocupa – possivelmente – um lugar de frustração: o avião não voa o tempo todo. No entanto, essa engenhosa construção que a concentra num universo cheio de manifestações contrastantes esbarra na crise do avião-mãe que começa a se exigir e questionar seu papel na relação com o filho. Por mais que a questão exista, e que a mãe avião agora viaje para longe, o símbolo vale também para sua volta. Os sentimentos de confiança e cumplicidade se constrõem. A relação de gente com gente também, em animação!
Bom filme! 🙂
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Sobre conflitos e representações

Algumas prosas sobre o Filme Minhas mães e meu pai da diretora Lisa Cholodenko

Se falarmos um pouco sobre o argumento do filme, podemos dizer que é a história de uma família convencional, formada por um casal, seus filhos adolescentes e uma quantidade de problemas que os afetam individual e coletivamente. Esses conflitos aumentam quando um desconhecido se aproxima e convive com seus hábitos e os costumes. Nesse momento, os discursos são modificados para reorganizar os papeis que cada um cumpre em favor das regras estabelecidas pelos cânones que a sociedade dita sobre o que é “ser família”. Por outro lado, o outro é o início da mudança.
Mesmo que essa breve introdução omita a informação de que o casal protagonista é formado por duas mulheres, isso não altera a principal questão do roteiro, que é dada por outros motivos: os problemas, as crises, as conversas, os silêncios, as brigas, as ausências, os medos, os egos, a superproteção e as consequências da combinação de algumas dessas questões existem em todas as famílias, independente de suas orientações, crenças e sonhos.
Pensando nos papeis desempenhados em uma sociedade heteronormativa, poderíamos chegar a pensar que o filme não tem nada de conservadorismo. Quando pensamos em um casal de pessoas do mesmo sexo, cria-se uma expectativa de vanguarda e rompimento das tradições. Por tal expectativa estar longe de ser verdadeira, esse filme de 2010 questiona o modelo conservador imposto pela sociedade. Observamos no cotidiano desse casal uma reprodução de papeis que, historicamente, é construído por uma arquitetura de imposições e subserviência de uma das partes sobre a outra. Essa postura sugere um descolamento entre gênero e visão sexista. Ou seja: uma coisa não tem a ver com a outra. Ao contrário: somos semelhantes em tudo, independente de nossa orientação.
Outra característica que nos faz semelhantes é o fato de que, a todo momento, nos submetemos a modos padronizados de ver e de ser. É sobre essa dimensão complexa que o filme navega. O descompasso entre um padrão estabelecido de família e a inadequação do casal acaba encontrando a válvula de escape em situações inesperadas e nas experiências dos filhos. O desafio de manter um modelo de família a qualquer custo cria uma atmosfera quase inverosímil de perfeição e adentra um universo pantanoso de representação e fabulação de uma realidade dura e imperfeita.

Como criar e reconhecer outros conceitos de família tendo como dimensão básica a construção de novos tons e vínculos? Como os processos educativos podem romper estruturas e dinâmicas de poder e apoiar a formação baseada na alteridade e na empatia, na igualdade de direitos e de deveres, e numa vida comunitária saudável e livre?

Esperamos que o filme estimule a essas e a outras perguntas para seguirmos pensando e alimentando a liberdade de ser e de olhar. Bom filme! 🙂

Mais informações sobre o filme aqui.
Boa Ciranda para todos nós!
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Intercâmbio de modos de ver (carta-branca)

Criado em 2004 pelo centros de Formação por Métodos de Educação Ativa (Centres d`Entrainement aux Méthodes d`Education Active – CMEA), o Festival Européen du Fil dÉducation é um lugar do cinema e de debate sobre grandes questões contemporâneas relacionadas à educação – cidadania, saúde meio-ambiente prevenção de riscos, educação artística e cultural, inclusão e integração. Um espaço de exibição de filmes inspiradores para interlocutores da infância e juventude, educadores, ativistas agentes sociais, pais e cidadão.

A aproximação da Ciranda de Filmes com o Festival Européen du Fil d`Éducation aconteceu quando o documentário “Sementes do Nosso Quintal” foi selecionado para a sua 9ª edição em 2013. A Fernada Heinz Figueiredo, diretora do filme, acompanhou a programação daquele ano e ficou impressionada com a qualidade das obras exibidas, o envolvimento e interesse do público e com a organização do evento. 

Ao perceberem a afinidade de pontos de vista e o desejo mútuo de promover o debate sobre a educação e a cidadania através do cinema, a Ciranda de Filmes e o festival europeu iniciaram a parceria.

O festival europeu terá “Carta Branca” na programação da segunda edição da Ciranda com as seguintes indicações:

O longa-metragem “Corvos” (Wrony Les Corneilles), de Dorota Kedzierzawska

 

O média-metragem “Dias Antes” (Les Jours d`avant), de Karim Moussaoui

E o curta-metragem “Onde Fica o Meu Pudor” (Oú Je Mets Ma Pudeur), de Sébastien Bailly

No final de 2015 será a vez da Ciranda de Filmes fazer suas indicações e ter a honra de compartilhar o seu olhar com o público europeu em Evreux, na Normandia, onde acontece o festival europeu.

 

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A Escola da Senhorita Olga

*Filme integrante da Ciranda de Filmes 2015.

Muitos alunos passaram pela escola e o mais especial é que ninguém nunca esqueceu o sentido da liberdade que a senhorita Olga priorizou em cada aula, em cada experiência. Naquela época de rígida estrutura escolar, de conteúdos fechados e bem definidos, surgiu uma porção de ar fresco que carregou o nome de “nova escola” e fez do processo de ensino-aprendizagem um exemplo de educação feliz e cheio de afetos.  Em uma época de fotografias e filmes em preto-branco, as irmãs Cossettini souberam fazer da educação uma experiência cheia de felicidade e cor.

A escola ganha uma dimensão do “entre” da fronteira, daquela que existe para se ir além de si mesmo, da sala de aula e da exatidão das horas de cada matéria; para ir além da excelência didática da educação instrucional que se esforça em colocar os alunos fixos e presos em um lugar e em um momento. A escola como fronteira significa romper com a ideia conformista de que a escola é depósito de pessoas que irão cumprir os seus desejos de adultos. (DUSCHTZKY, Silvia – La Escuela como frontera, 1999)

Como fazer da escola a fronteira para jornadas de vida sensíveis, autênticas e potentes? Quais são os métodos libertários e sensíveis que inspiram a vida e o aprendizado cotidiano? Para que nos servem as experiências dos outros? “É sempre perigoso abrir os olhos de alguém para que se encontre com a verdade?” Essas e outras perguntas surgem ao saber que essa escola existiu e existe. Quando nos aproximamos desse documentário de depoimentos, temos a possibilidade de re-criar as histórias dos próprios protagonistas e aprender com elas. As lembranças de uma infância feliz que marcam profundamente o caminhar de uma vida inteira.

No vídeo abaixo* (em espanhol) o diretor Mário Piazza e a Amanda Paccotti, educadora e ex-aluna da Escola, falam sobre a experiência do documentário e sobre o quanto a história de vida e da escola se misturam. O filme será exibido nos dias da Ciranda.

*Programa “Contra-plano” do Canal Encuentro do Ministério da Educação da Nação Argentina.

Mais informações sobre o filme aqui.

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Olhares Olhares 2015

Uakti, um Ser enorme

Uakti era um Ser enorme que vivia próximo à aldeia dos índios Tucanos, às margens do rio Negro, na Amazônia. Tinha o corpo aberto em buracos. Quando corria pela floresta, o vento, passando através do seu corpo, produzia sons belíssimos, incomuns, envolventes. As índias encantavam-se por esses sons. Os índios enciumados, caçaram e mataram Uakti. No local onde foi enterrado, nasceram três palmeiras, cujos troncos os índios fabricam instrumentos musicais que, quando tocados, evocam os sons de Uakti correndo livre pela floresta.
Assim como o ser da lenda, o conjunto brasileiro Uakti – Oficina instrumental é capaz de produzir sons inimagináveis. A magia de sua música começa pela confecção de seus próprios instrumentos a partir de materiais do cotidiano: tubos de PVC, videos, metais, pedras, borracha, cabaças e até água. Tudo se transforma em som. Uma arte repleta de magia, sons e sentimentos. Sua música envolve e toca fundo, uma viagem fantástica através de um mundo místico e diferente.
O grupo é composto pelos músicos Paulo Sérgio dos Santos, Décio Ramos, Marco Antônio Guimarães e Artur Andrés Ribeiro.
O encontro do grupo com o Território do Brincar
 
A parceria entre o Uakti e o Território do Brincar teve início quando Artur Andrés foi convidado a compor a trilha sonora do mais novo marco do projeto: o longa-metragem que tem pré-estreia na Ciranda de 2015.
De maneira muito natural o trabalho aconteceu. Tudo se tornou especial quando perceberam a essência da afinidade de suas investigações: o idealizar e o construir que compõem o brincar. Assim como as crianças recolhem materiais do seu cotidiano para criar os seus brinquedos, Marco Antônio, o inventor-infante, cria instrumentos a partir do seu cotidiano, os seus brinquedos de musicar.
“Na língua inglesa, o verbo “to play” é utilizado tanto para a performance de um instrumento musical quanto para o brincar. Acredito que esta palavra represente bem a convergência entre esses dois maravilhosos trabalhos”, diz Artur Andrés.
Uakti fará uma apresentação musical na noite de abertura da Ciranda, logo após a exibição do Filme Território do Brincar
Veja mais informações aqui.
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Olhares Olhares 2015

Longa-metragem Território do Brincar

Como uma experiência de 15 anos, o Território do Brincar cria outro marco de sua pesquisa em torno da cultura da infância e do audiovisual. A trilha sonora de composição de Artur Andrés é interpretada pelo grupo mineiro Uakti, que fará uma apresentação musical depois da exibição do filme.

Durante 21 meses, a equipe do filme percorreu caminhos distantes e diversos por todo o Brasil para conhecer as intenções dos gestos infantis, desvendando as subjetividades, a autenticidade e espontaneidade das crianças.

O desenvolvimento da linguagem cinematográfica visa buscar outros caminhos, sem ser didático e sem a intenção de provocar discussões sobre o certo e errado na educação. No Território do Brincar, as crianças guiam nossos olhares e caminhos. A escuta é atenta, para que se apresentem, a partir delas mesmas. O imprevisível e inusitado é parte fundamental dessa história.

O longa-metragem Território do Brincar marca um novo momento do projeto que tem um grande e importante mosaico de parcerias com escolas, lideranças comunitárias de todo o Brasil, ONGs, educadores, mestres da cultura popular, pais, profissionais da área de cinema e especialistas da infância. Entre eles Gandhy Piorski, responsável pelo argumento do filme juntamente com Renata Meirelles, David Reeks e equipe. Gandhy é artista plástico, pesquisador das práticas da criança, da antropologia do imaginário, de cultura e das produções simbólicas, e é convidado especial da Roda de Conversa Criança e Natureza da programação da Ciranda.

A seguir compartilhamos uma conversa que tivemos com os diretores Renata Meirelles e David Reeks.

Ciranda: A proposta do filme investiga a “geografia dos gestos infantis”. Falem um pouquinho sobre ela, sobre as suas especificidades em cada lugar em que vocês estiveram e o sobre o que caracteriza a unidade do filme.

Renata e David: A busca é por caminhos distantes e diversos para conhecer as intenções dos gestos das crianças. O primeiro passo é o convívio íntimo com elas, permanecendo um tempo alongado a cada visita, criando vínculos e espaços de muitas trocas. A etapa seguinte é um mergulho nas imagens captadas e desenhar uma espécie de mapa humano com ações que se assemelham, muito mais do que se distanciam. A intenção é apresentar o único dentro do diverso, e nos aproximar de quem somos.

Um bom exemplo para apresentar essas intenções são os meninos das mais diversas regiões brincando com seus carrinhos. Algo óbvio, simples e de conhecimento geral de todos. Construído pelos meninos, montado com peças industrializadas ou comprado, o desejo por esses brinquedos é absolutamente intrínseco ao menino, muito mais que as meninas. O gesto recorrente de empurrar, puxar ou dar vida aos carros, barcos, aviões, trens etc., não é de uma região específica ou de uma época datada. Por isso, para além do carro em si, nossa opção é por mostrar o desejo coletivo do menino de ir, seguir, transitar.

Como esse, muitos outros exemplos ocorreram no trajeto de 21 meses contínuos de vivência com crianças das mais diversas realidades. Um percurso por uma vasta geografia, focados nos gestos infantis para encontrar caminhos por dentro de todos nós.

Ciranda: Comentem um pouquinho sobre o desenvolvimento da linguagem cinematográfica do Território do Brincar, e sua relação com o estado de escuta e observação das crianças.

Renata e David: O Território do Brincar busca construir uma linguagem cinematográfica que não visa explicar, ser didática ou mesmo provocar discussões sobre o certo e errado na educação. Nesse longa-metragem o foco é sensibilizar o adulto para que ele consiga se ver “contado” por essas tantas crianças.

Diferente de querer se colocar no lugar da criança para entendê-la, ou explicá-la, o desafio aqui é saber olhar para ela. Como a enxergamos pode transformar nossas atitudes em relação a ela. O que é óbvio e desapercebido, recebe uma nova forma de ser visto, ganha protagonismo e muda nossa atitude de vê-la.

No Território do Brincar, as crianças guiam nossos olhares e caminhos, e a câmera corre (literalmente), para focar suas expressões, espontaneidade e subjetividades. A escuta é atenta para que se apresentem, a partir delas mesmas, sem pré-roteiros ou expectativas. O imprevisível e inusitado é parte fundamental dessa história.

O filme é parte de um projeto de pesquisa, registro e difusão que integra diferentes produções culturais. Uma realização que entende o cinema como uma excelente porta para enxergar a mudança que se quer ver. 

Ciranda: Quais foram os desafios de contar histórias em um longa-metragem. Como foi essa construção, do argumento original até as gravações e a edição.

Renata e David: Existe um outro filme por detrás do processo de produção de longa-metragem. Uma história de um desenrolar intenso que não aparece na tela. Há algumas particularidades do trabalho de campo que não se vê em cena, mas fazem parte dessa história, como: a vivência afetiva com as crianças nas comunidades, os desafios da viagem em família, a afirmação controversa da grande maioria dos adultos que insistem em afirmar que criança hoje em dia não sabe mais brincar.

Os desafios foram das mais diversas ordens. O principal deles foi permitir que a criança falasse de si, sem deixar escapar as sutilezas e os temas que são tão caros ao projeto.

Inicialmente criamos uma narração entre uma mãe e seu filho, a luz das imagens das crianças brincando. Um diálogo livre, sem amarras que escancarava as dúvidas e descobertas de ambas as partes. Depois de muitas tentativas, ficou claro que a narração fazia sombra na potência da comunicação gestual das crianças. Entendemos que todas as camadas narrativas já estavam ali e nada mais precisava ser dito. Assim, assumimos silenciar a narração. O filme ganhou muito com essa decisão e a infância também.

Ciranda: Qual é a importância das parcerias para esta composição?

Renata e David: Para juntar as peças de toda essa trama e fortalecer esse movimento pela causa da infância, as parcerias foram muitas com escolas, lideranças comunitárias, ongs, educadores, mestres de cultura popular, pais, especialistas da infância, pessoas da área do cinema. A lista é enorme e cada um deles alimentou nosso olhar e nossa coragem para seguirmos caminhando.

Os verdadeiros mestres e guias desse filme foram as centenas de crianças que conhecemos, brincamos e criamos uma intensa amizade e profundo respeito.

O Instituto Alana é o grande parceiro desse Projeto, em uma co-realização que casa desejos, esforços e missão. A Maria Farinha Filmes que, assim como nós, acredita que uma história bem contada pode realmente fazer a diferença na forma como as pessoas veem o mundo.

A equipe de argumento, Gandhy Piorski, Marcos Ferreira e Soraia Saura, que nos levam a lugares essenciais da infância. A editora Marília Moraes e a roteirista Clara Peltier formaram conosco um coletivo de olhos e ouvidos atentos a tudo na produção do filme, em relação harmônica e sem hierarquias. O Artur Andrés e toda sua equipe de músicos do grupo Uakti que transformaram essas imagens em uma trilha sensível e potente, que leva a experiência poética do filme para outros sentidos.

E, por fim, mas não menos importante, houve o nosso envolvimento, pessoal e particular, de sair em viagem durante dois anos, carregando a família e o desejo da convivência máxima com os nossos dois filhos. Durante todo trajeto de captação de imagem, as crianças das comunidades se envolviam com os dois meninos vindos de fora, e ali criava-se um processo absolutamente espontâneo do brincar. Aos poucos isso foi se configurando como uma parceria não planejada, porém, crucial na construção desse filme. O aprendizado e convivência diária com eles é o alimento supremo de tudo, o que reforça o desejo de continuar nessa caminhada.

Ciranda: Qual é a intenção da Oficina: Desvendando o Processo Cinematográfico que parte da equipe do Território do Brincar vai ministrar.

Renata e David: Nessa oficina iremos compartilhar todos os bastidores e processos da produção do filme: dificuldades, conquistas, descobertas e desafios vividos nesses 3 anos de trabalho. Detalhes da pesquisa, da produção de campo, da captação de imagem, da elaboração do argumento, do roteiro e da edição serão compartilhados com todas as dores e delícias de viver esse processo. Além dos diretores, a Marília Moraes (montadora) e a Clara Peltier (roteirista) irão contar seu ponto de vista na participação desse filme e as marcas que as crianças deixaram nos seus trajetos. Um bate-papo que irá apresentar uma experiência de mais de 15 anos de registro da infância, que tem o vídeo como marco do olhar dos pesquisadores.

Saiba mais sobre o filme e sua equipe aqui.

Acesse o site oficial do filme aqui.

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Olhares Olhares 2015

O mistério está lá fora

por Vanessa Fort
 
O lá fora guarda o mistério e alegria das descobertas. Distraídas e dedicadas, as crianças desvendam segredos sobre o viver e o conviver. Dos encantos aos perigos do desconhecido, lá estão todos os lugares onde elas descobrem a vida, vivendo. Desbravando a si mesmas, brincam com as fronteiras invisíveis do ser e do crescer, construindo seus espaços poéticos e sensíveis.

A curadoria da Ciranda 2015 conta com filmes que mostram esses encantos e desafios. Entre eles estão:

 
Sanã
Documentário – Brasil – 2013 – 18 min
Direção: Marcos Pimentel
Roteiro: Marcos Pimentel, Ivan Morales Jr.
+ informações sobre o filme aqui
 
Ciências naturais
Ficção – França- 2014 – 71min
Direção: Matías Lucchesi
Roteiro: Matías Lucchesi, Gonzalo Salaya
+ informações sobre o filme aqui

Confira toda a programação da Ciranda! Em breve os horários estarão disponíveis.

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Olhares Olhares 2015

Homenagem para transver e mudar o mundo

por Vanessa Fort

“O olho vê
a lembrança revê
e a imaginação transvêa
é preciso transver o mundo”, Manoel de Barros

Com poesias, prosas e peças, mestres nos encantam pela ausência de certezas, pelo constante e potente vir-a-ser. Onde tem inquietação, eles criam potência e inspiração, o caminhar. Sua lição é assumir-se como sua própria obra, assim nos presenteia com sua própria vida.

Mestres de fazer poesia no entre, do espanto, com humor e com a sabedoria do sertão, Manoel de Barros, Rubem Alves e Ariano Suassuna são os homenageados da 2ª Ciranda de Filmes.

Artistas da ética e estética, como sábios que abraçam ao mesmo tempo a decência e a boniteza, esses três grandes nos deixaram em 2014 com uma vasta obra que os eterniza.

Na Ciranda deste ano, poderemos revê-los em três documentários para seguirmos inspirados a transver e a mudar o mundo. Obrigada, mestres!

Só dez por cento é mentira – A desbiografia oficial de Manoel de Barros

Documentário – Brasil – 2008 – 82 min
Direção e Roteiro: Pedro Cezar
Rubem Alves, o professor dos espantos
Documentário – Brasil – 2013 – 45min
Direção e Roteiro: Dulce Queiroz
O sertãomundo de Suassuna
Documentário – Brasil – 2003 – 80 min
Direção, roteiro e fotografia: Douglas Machado
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Olhares Olhares 2014

Eu cirando, tu cirandas, nós cirandamos…

por Gabriela Romeu
 
Foram três dias cirandando, descobrindo-se e encontrando-se em imagens da infância, rompendo os muros da escola, impulsionando uma onda transformadora, urgente. A Ciranda de Filmes, mostra que reuniu documentários, ficções e animações, rodas de conversa e a exposição Território do Brincar, inaugurou um espaço inédito para se pensar a infância e a educação a partir do audiovisual e com todos os desafios da contemporaneidade.

Ao longo do encontro, entre as conversas nas rodas ou nas “esquinas”, entre um filme e outro da programação, os participantes afirmaram a importância de reunir em uma só ciranda diversos personagens e forças em prol da infância e de uma educação pautada pelo sensível. Lydia Hortélio, que teve uma participação especial com sua palestra brincante, foi certeira: “É preciso saber menino”.

Os meninos estavam lá, na tela grande. Na programação, com 35 filmes, entre curtas e longas-metragens, vivemos uma grande aventura do humano. Nascemos com “Birth Story”, demos os primeiros passos em “Bebês”. Crescemos e brincamos muito com os documentários do Território do Brincar. Adentramos a intimidade das casinhas das crianças em “Ô, de Casa”. Vivemos um verdadeiro jardim da infância em filmes como “C’est pas du Jeu” e “Sementes do Nosso Quintal”. Seguimos numa grande jornada, heroica e solitária, necessária para romper mundos interiores em longas como “Matei Copil Miner”. “Adolescemos” e passamos a questionar um sistema educacional cheio de incoerências em “A Educação Proibida”.

Mas não só. Esse foi apenas um jeito de navegar pelas imagens inspiradoras da Ciranda de Filmes. Cada participante construiu sua própria narrativa.

Nas rodas de conversas, especialistas e produtores dialogaram sobre três eixos temáticos – infância e nascimento, espaços de aprendizagem e movimentos de transformação. Diferentes mestres do pensar a infância entraram na mesma roda, cirandaram junto. Paralelamente à exibição dos filmes da programação, as conversas foram tecendo outras imagens, compondo diálogos entre cinema, brincar e viver, literatura, educação, poesia e infância.

Não estavam ali apenas educadores, pediatras, antropólogos, artistas plásticos, cineastas e pesquisadores do universo da criança. Conectados com sua essência de infância, constantemente evocada no encontro, estavam também os meninos e as meninas que foram (e que são). As memórias de infância vieram à tona na cantiga de ninar uruguaia que embalou Adriana Friedmann quando menina, no mar-brinquedo de Maria Amélia Pereira, que teve a praia e a natureza como um verdadeiro espaço de aprendizagem, e no jardim da infância (re)vivido por Fernanda Heinz Figueiredo, entre outras lembranças.

Com os palestrantes-brincantes-cirandeiros, a plateia criou figuras com barbantes, participou de um concerto de pássaros desabrochados, cantou brincos. Brincou. E se a ciranda de Antônio Nóbrega abriu o festival, Tião Carvalho fechou a roda com mais brincadeiras. Assim, o espírito lúdico ali tão evocado extrapolou a telona e o discurso. Cirandar foi um verbo não só flexionado, mas também exercitado. Eu cirando, tu cirandas, ele ciranda, nós cirandamos…