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Último dia das rodas

O tom comum da terceira e última Roda de Conversa foi a integralidade, a importância do entendimento e valorização do todo. Com o tema “Maestria do Chão”, recebeu o coletivo Contrafilé (com as presenças de Cibele Lucena e Joana Zatz), a arquiteta e urbanista Beatriz Goulart e a bióloga e permacultora Mônica Passarinho Mesquita. Assim como aconteceu nas conversas anteriores, as convidadas rememoraram parte de suas infâncias.

Joana coloca que “território urbano não é físico, acontece em várias escalas”. Com esse pontapé a conversa discorreu sobre o uso dos diversos espaços – da maneira como foram construídos, o que trouxeram de simbólico em suas estruturas, o uso e a percepções que temos deles.

Beatriz Goulart, especialista em projetos que integram cada vez mais as escolas e outros lugares de educação, dá concretude à fala: para ela, o modelo arquitetônico das escolas é completamente segregador, serve para separar, apartar, vigiar e punir. Como se a vida e a cultura ficassem do lado de fora. “A compreensão de uma unidade foi perdida. A gente desenvolveu poros, olhos e ouvidos para as partes”, defende.

Mônica, atualmente à frente do Instituto Toca, fala com orgulho do processo integral que promovem e vivem na prática com crianças pequenas. E destaca a alimentação como um momento e instrumento de proximidade, convívio e entendimento de ciclos e processos da natureza. Novamente, a noção de que integramos um coletivo, de que as coisas estão interligadas. Lá, as crianças plantam, colhem, preparam, cozinham e comem. E até mesmo o banheiro foi construído conjuntamente – e integrando o ciclo completo do alimento, até virar adubo.

A finalização dessa roda aconteceu uma frase de Fritjof Capra: “Uma comunidade humana sustentavel interage com outras comunidades – humanas e não humanas”.

Texto: Regina Cintra
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Roda de conversa: Mestre do Intangível

A segunda Roda de Conversa da Ciranda de Filmes reuniu nessa tarde, no Cinesesc, a coreógrafa e bailarina Georgia Lengos, a educadora musical Teca Alencar Brito e o fotógrafo e pedagogo Claudio Feijó. A mediação ficou por conta da jornalista especializada em infância Gabriela Romeu.

Todos eles abriram suas falas contando sobre suas infâncias, memórias e a relação que tiveram, desde cedo, com o corpo, movimento e som. Georgia, que tem a figura de seu pai dançando em cima da mesa como uma forte lembrança, fala e enaltece a importância da nossa relação com o próprio corpo. Para a coreógrafa, o movimento é algo intrínseco ao animal e ao ser humano: “desde a concepção, tudo é movimento”. Não por acaso, seu caminho foi a dança que, ainda segundo sua leitura, reúne corpo, movimento, espaço e o tempo. Os mesmos elementos que, somados, constituem a essência da brincadeira.

E a brincadeira tem ainda a imprevisibilidade, a surpresa, um caminho inicialmente traçado e pouco depois, desviado. Aspecto comum também às manifestações culturais – sejam elas quais forem. A cultura como mestre foi norte dessa conversa. Ela que se relaciona de forma integral com o sensível, apresenta novos horizontes e realidades, questiona certezas e alimenta a alma. Na conversa falou-se de música, dança, olhar, da escola como um ambiente muitas vezes não estimulante ao que foge do padrão já consagrado de conhecimento.

Teca acredita que “a criança mergulha no sonoro, ela inventa, se reinventa” e, a partir dos quatro anos, sua habilidade e capacidade nata de criação passam a ser menos estimuladas e valorizadas. Não coincidentemente, estamos aqui no período do início da escolarização. A educadora musical apresenta, então, uma gravação feita por alguns de seus alunos que tiveram liberdade na narrativa, instrumentos e tempos utilizados. Possibilidades que enriquecem o jogo da cultura, a brincadeira, aumentam o repertório, lidam com o diferente, respeitam as novidades.

Em sua fala de abertura, Teca contou que começou as aulas de piano aos 5 anos; que seu avô tocava violão e os dois juntos “eram um todo”. Também desde cedo ficou intrigada com a obrigatoriedade de ir às aulas, de seguir o método formal. Sabiamente, sempre ouviu também o entorno, o informal. E defende: “a gente tem que transformar essa ideia de quem é o professor, o educador”.

Claudio Feijó, fotógrafo e que vem ministrando oficinas de “descondicionamento do olhar” ao redor do país, diz que um mestre muito importante – e desconsiderado – é a ignorância. E conta que seus pais “não esperavam nada” dele e, por isso, pôde ir “para todos os lados”. Sua fala tem início de uma maneira inusitada: diferentemente das outras convidadas da roda, Feijó contou seu relato sentado numa cadeira da platéia, entre o público. Para ele, os hábitos e a repetição provocam expectativas limitantes. O nosso olhar sobre nós mesmos, o que os outros têm sobre nós e o que temos do mundo se somam e criam um universo de diferentes interpretações e camadas.

Texto: Regina Cintra

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Homenagem ao Mário de Andrade


“Mário e a Missão”, filme de Luiz Adriano Daminello, é um documentário repleto de material de arquivo e entrevistas. E música, dança e falas de mestres populares em seus territórios: jongo, coco, cavalo marinho, tambor de crioula, batuque. E quem comanda essa pesquisa pelas danças folclóricas e cultura popular é Mario de Andrade. Através da curiosidade e vasta pesquisa feita pelo escritor modernista, décadas atrás, chegamos na essência de muitas dessas manifestações.

O documentário reconta, por exemplo, a lendária viagem feita por Andrade pelo rio Amazonas, indo de Belém a Iquitos, no Peru, além de sua viagem etnográfica pelo Nordeste. Há sons e imagens captadas nos anos 20 e 30, por exemplo, e há conversas com quem vive e lida com cultura popular na ponta, no fazer – feitas recentemente.

Logo depois da sessão, no Cinesesc, aconteceu uma conversa aberta ao público. E, ao lado do diretor, ninguém melhor que o músico, compositor e bailarino Antonio Nóbrega, artista plural que une, como poucos, a tradição, o popular e o erudito. O pernambucano começa sua fala contextualizando a origem da cultura popular: a mistura, as referências múltiplas, as memórias, narrativas e vivências do povo indígena negro e português. A formação do Brasil em suas diversas camadas. “É esse o caldo étnico cultural que, ao longo dos anos, vai criar esse majestoso universo, que acabamos de ver”.

Infelizmente, para ele “o Brasil não legitimou a sua cultura popular” e provoca sobre a sua importância, já que ela não está impregnada nos nossos hábitos culturais: serviria para alguma coisa que não a pesquisa? Para ele, há duas linhas culturais que correm quase que paralelamente e, em poucos momentos, se encontram. Cita Heitor Villa-Lobos e Guimarães Rosa como referências desses pontos de intersecção.

Daminello completa que o “para turista ver” também acabou por empobrecer diversas manifestações, inclusive no tempo de suas execuções. A partir daí, os governos bancam também com esse propósito: pouco tempo e um pouco de tudo, o que interfere radicalmente nas essências daquelas danças.

Terminando a conversa, Nóbrega se apresentou rapidamente ao público, com sua voz e violão.

Texto: Regina Cintra

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Do pó da terra, barro de comunhão

“O verdadeiro modelador sente, por assim dizer, animar-se sob seus dedos, na massa, um desejo de ser modelado, um desejo de nascer para a forma”-

 Gaston Bachelard. 

“Do Pó da Terra” cria-se arte e comunhão. Onde os afetos e a tradição são forças que circulam pelos dedos da natureza de uma comunidade, junta-se o pó, faz-se o barro, vence a matéria, cria-se e concretiza-se imagens de mulheres e homens que se regeneram, concretizando suas fortalezas. As ausências e presenças, muitas vezes inconciliáveis, apresentam-se nesse grandioso Vale de nome Jequitinhonha. 

Os sonhos e as saudades criam rachaduras na terra e oferecem a matéria-prima para composição da vida. As ataduras de gerações, os partos de mães, as dores dos abandonos, a inspiração das memórias modelam as narrativas. Vidas compostas em artesanato.

O matriarcado dessas comunidades é tecido pelos braços, mãos e forças de mulheres. A ancestralidade brota desse chão que, mestre, vibra todo o valor da cultura que circula nos corpos desse lugar. Do trabalho pesado, envelhecem com a terra, misturam-se à ela, transformam-se nela, em fortalezas de barro.

Para saber mais sobre o filme, clique aquiTexto: Vanessa Fort

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Roda de conversa: Mediador de Mundos

Esta foi uma das emocionantes falas que estiveram na Roda de Conversa inaugural da Ciranda.
Roda de Conversa: Mediador de Mundos – Foto: Aline Arruda

A primeira “Roda de Conversa”, que integra a programação da Ciranda de Filmes, aconteceu há pouco, no Cinesesc, em São Paulo. O encontro, com o sugestivo nome de “Mediador de Mundos”, reuniu Ailton Krenak, José Pacheco e Lira Marques. Ou seja, num mesmo espaço de discussão estiveram presentes uma importante liderança indígena, o educador português responsável pela Escola da Ponte (fundada em 1976 e ainda hoje considerada uma referência mundial em pedagogia inovadora) e uma artesã e educadora negra – diversidade essa destacada por Fernanda Heinz Figueiredo, uma das idealizadoras e curadoras da mostra e também mediadora dessa conversa.

O pontapé inicial foi a figura do “mestre”, tema dessa edição da Ciranda. Krenak pontuou, com uma fala pragmática e poética ao mesmo tempo, a importância, o respeito e o poder da natureza – através da relação estabelecida com ela é possível uma enorme aprendizagem. Foi através dela que aprendeu e vivenciou o sentido estrito da palavra “liberdade”, por exemplo. Lira falou de um modo bastante emocionado sobre a sua mãe como primeira e maior mestre; foi ela quem lhe ensinou a trabalhar a cerâmica e o valor e o gosto pela música. Já o educador português mencionou um vizinho, o sr. Cardoso, que lhe apresentou aos livros, antes mesmo dele ir para a escola.

Krenak compara a natureza à “uma mãe rígida”, a uma instância que orienta, sinaliza, se impõe, exige e devolve respeito. Também ambientalista, escritor e Professor Doutor Honoris Causa pela Faculdade Federal de Juiz de Fora, ele não vê possibilidade de uma vida em harmonia, um ambiente saudável, respeitoso e inventivo sem uma forte conexão com o meio ambiente. Mais do que isso, para ele, “abraçar a beleza da vida” está intrinsicamente à convivência com elementos da natureza e com o seguir “os rastros dos nossos ancestrais”.

E ele conta que, da sua etnia, existem apenas cerca de 350 pessoas. Elas mantém suas histórias e tradições através de falas, gestos, rezas, “benzações” e rituais. São essas as narrativas que contam a história de quem são. O que temos no Ocidente são outras narrativas. Apenas diferentes, nem melhores e nem piores. A diversidade existe – e é fundamental que seja mantida e respeitada. Compara as crianças de hoje à chips, a população como um todo a computadores e programas feitos em série. Krenak brinca: “deveria ser considerado bullying quando se pergunta a uma criança o que ela vai ser quando crescer. A criança é uma estrela de uma constelação; ela vem para ensinar”.

Lira, do Vale do Jequitinhonha, corrobora a importância das nossas relações com os antepassados, tradições e memória. Está fresco nessa ceramista e colocado em suas obras as cantigas de roda que aprendeu desde menina e o espírito de comunidade que sempre sentiu.

Não por acaso fez uma vasta pesquisa, ainda por meio de fitas-cassete (foram 250!), e registro de cantigas de roda e festejo local. Diz que “andava com um caderninho” e anotava tudo, ia atrás quando ouvia uma cantiga pela primeira vez. Isso lhe preencheu, lhe deu sentido: a música que ouvia em casa, que a acolhia e a arte que aprendeu com sua mãe, seu modo de escrever e se colocar no mundo.

Em “Do Pó da Terra”, documentário exibido na sessão de abertura da Ciranda, a artesã deixa claro seu modo de escrever – no barro. Quando lhe perguntam, por exemplo, se ela “faz noivinhas” (em referência à grande maioria das peças feitas por artesãs do Vale), ela diz que não; para ela, não é o que quer fazer e apresentar ao mundo; suas aflições e alegrias não estariam estampadas nessas figuras.

José Pacheco enfatiza a importância das perguntas: perguntar sempre é o melhor caminho. E revela que sua inovação no modelo escolar português se deu a partir de diversos questionamentos. “Por que há turmas? Por que o tempo do intervalo é esse? Por que há banheiros separados para alunos e professores? Por que cada aula dura 50 minutos?”. Para ele, os mestres são as crianças e são elas que podem nos ensinar – fala que encontrou eco com Krenak. A liderança indígena defendeu em certo momento da roda ideia bastante semelhante: “são elas que vêm que nos ensinar”.

E Pacheco está otimista. Ele tem acompanhado uma série de comunidades e experiências realizadas no Brasil. O educador sente que há professoras/es com bastante consciência a respeito do modelo obsoleto de educação que ainda temos vigente. Ele defende e luta por uma “nova construção social de aprendizagem”. Mas pondera que a “síndrome de vira-lata do Brasil” atrapalha – e não tem sentido algum. Em suas pesquisas, descobriu que o “primeiro escrito” a respeito de uma nova comunidade de aprendizagem se deu no Brasil e creditou o trabalho a Lauro de Oliveira Lima.

Perguntas, memórias, respeito aos antepassados, ligação com a natureza, manifestação pela arte, sensibilidade e comunidade: denominadores comuns nas falas e no espírito de cada um dos convidados.

Texto: Regina Cintra

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Mestres e brincantes, narradores e guardiões

“Abancado à escrivaninha em São Paulo

Na minha casa da rua Lopes Chaves

De supetão senti um friúme por dentro

Fiquei trêmulo, muito comovido

Com o livro palerma olhando pra mim

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!

muito longe de mim

Na escuridão ativa da noite que caiu

Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos

Depois de fazer uma pele com a borracha do dia

Faz pouco se deitou, está dormindo

Esse homem é brasileiro que nem eu.” – Poema O descobrimento,

de Mário de Andrade

Descobrir e registrar as narrativas populares foram uma das grandes missões e contribuições de Mário de Andrade para o Brasil, país que já nasceu ideia de teceduras de culturas, cosmologias e sincretismos. A cultura popular que nasce e se manifesta das ruas e dos terreiros. Mário ocupou-se de coração e alma, toda sua vida, para narrar a poesia das manifestações populares.  Narrador digno das narrativas para as quais se dedicou. Um narrador-guardião, aprendiz da alma do povo, cultura que antes do modernismo brasileiro não era reconhecida ou valorizada.

 Ao sermos tantas coisas, as tensões de assumir-se sem fronteiras, a afirmação de nossas diferenças nos faz um lugar de conflitos que construíram nossa história. Não conflitos armados com armas de fogo, mas armas de Jorge, Xangô, São Francisco de Assis. Sobreposição de afirmações que nos fazem múltiplos, do cavalo-marinho, Bumba meu boi, Maracatu, Caboclinho, Congo e de todas as expressões do Brasil do fundo, uma espécie de oração e comunhão entre diversos e comuns.

 A composição de diferenças, crenças e saberes criam obras dignas da sensibilidade de artista, esse que sente um “friúme por dentro” ao perceber e encantar-se pelo outro, outros vários que são brasileiros como ele. Em seu olhar sensível e curioso mapeou as cartografias brasileiras como missões de vida, como cartografias de nossa cultura que sempre se reinventa para sempre afirmar os homens de seu tempo.

“O povo é a voz do mundo. O povo muda tudo”, Manuel Papaí, Babalorixá

Nas tensões e conflitos entre classe artística e cultura popular, a vanguarda e a vanguarda da tradição, a sabedoria e a cultura da burguesia, Mário de Andrade dedicou-se a anotar em seu caderno o coração das coisas brasileiras para descobrir novamente o Brasil. Para descobrir os portadores dos segredos de cada manifestação, os mestres e os brincantes.

Em Mário e a Missão”de Luiz Adriano Daminello, vamos acompanhar esses trajetos e descobrir novamente o Brasil, todas as vezes que forem necessárias.  A série documental do Sesc TV ganhou uma versão especial de longa-metragem para a Ciranda 2016. Após a sessão, teremos uma prosa com o brincante-guardião das manifestações populares, Antônio Nóbrega, para celebrar a poesia da comunhão. Um encontro entre Mário e Nóbrega, e todo o Brasil profundo. Na Ciranda ainda teremos a exibição especial do “Brincante”, filme de Walter Carvalho. 

Para saber mais sobre Mário e a Missão, clique aqui.

Para saber mais sobre o Brincante, clique aqui

Texto: Vanessa Fort

Foto: Leia já imagens

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A nossa casa é lá fora

“Dentro da cabana é onde guardamos as coisas, mas fora é a nossa casa de verdade”, diz Kate, de oito anos de idade.

Em um esforço de se reconectar, a cineasta e mãe Suzanne Crocker e o seu marido deixaram seus trabalhos e, junto com suas três filhas, dois gatos e um cachorro, passaram nove meses vivendo em uma pequena cabana sem estrada de acesso, sem eletricidade e sem relógio. Situada em Yukon, no Canadá, a experiência é completamente filmada pela família. Em um tecer de vozes e experiências, assistimos uma suave e honesta narrativa da vida na natureza no filme “Todo tempo do mundo”

A característica mais genuína de cada personagem é apresentada entre olhares atentos dos pais, fazeres e dizeres de todos: uma filha que é mais filosófica, a outra que é a mais sensível e a terceira que tem espírito livre e ótimo senso de humor; o pai que chora, a mãe que é forte. O brincar infantil transforma-se no brincar da família inteira: a construção e a invenção das coisas, as aventuras do lado de fora, as deliciosas comidas que todos ajudam a criar e a comer, a composição de sonhos e fantasias coletivas. Um retrato de um cotidiano contado no tempo alongado das estações e compartilhado profundamente.

As três filhas são muito estimuladas à leitura, com brincadeiras de livrarias e lojas de mentirinha. Em uma de suas aventuras literárias, uma das meninas escreve uma carta de amor para o Percy Jackson, personagem de um dos seus livros favoritos. Em sua declaração, a pequena diz que quer se casar com o filho de Poseidon. A carta é depositada na caixa mágica de correio. Percy Jackson responde; ouvimos as doces palavras pela voz da mãe: ele aceita se casar nos sonhos e brincadeiras da menina. Eles se casam, tendo o pai e a mãe como guardiões de sua inocência e imaginação.

O filme e a vida são conduzidos pelo respeito e pela cumplicidade entre amigos que, pais, filhas e bichos, crescem e aprendem um com o outro e com a natureza. 

Questões para pensar com o filme: 

Você gostaria de viver no mato por nove meses? Você poderia viver sem eletricidade e comunicações? O que você sentiria mais falta? Como o viver no mato pode ajudar a trazer de volta o verdadeiro significado dos feriados? Por que é importante se reconectar com a natureza? O que limita a nossa capacidade de relaxar e desfrutar do nosso tempo com amigos e família?

O filme será exibido na sessão especial “A Natureza como Mestre”, realizada em parceria com Instituto Toca e o projeto “Criança e Natureza”, do Instituto Alana. Nesta sessão, Suzanne Crocker, diretora do filme, vai se juntar ao pesquisador da criança Gandhy Piorski para fazer uma reflexão sobre a importância do contato com a natureza para o desenvolvimento saudável e integral da criança, e como espaço primordial da brincadeira e da imaginação.

Para saber mais sobre o filme, clique aqui.

Texto: Vanessa Fort

Alguns trechos foram extraídos do material educativo do filme, que pode ser visto na íntegra aqui.

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Sobre comunidades e cocriações

Do entendimento de mestre, vamos para a força dos mestres, assim, no plural. Crianças, jovens e adultos, alunos e educadores, se misturam na construção de comunidades de aprendizagem. Todos se transformam em mestres no processo de aprendizagem. A criança é mestre de si mesmo na convivência, nos espaços de diálogo e construção coletiva. O mestre é o mediador e tutor desse caminho. Os mestres, eles e elas, facilitam e crescem juntos com as crianças e jovens, em uma interação cocriativa. 

No relatório da UNESCO “Educação, um tesouro a descobrir” são apresentados Os Pilares da Educação para o séc XXI. Com coordenação de Jacques Delors, o documento, cada dia mais atual e necessário, acolhe como um dos pilares o “Aprender a conviver” que ilumina e atenta ao desenvolvimento da compreensão do outro e de nossa interdependência. 

Em tempos de incerteza, onde a noção de coletividade está carente de atenção e entendimento, a Ciranda de Filmes convida o Professor José Pacheco, um dos grandes dinamizadores da gestão democrática da educação e um dos fundadores da Escola da Ponte, a participar da Roda de Conversa: Mediador do mundo. Ele vai ter a companhia de Ailton Krenak e Lira Marques. A fim de abrir desde já essa roda de prosa, fizemos uma conversa com ele e compartilhamos com todos. Veja a seguir.

O senhor sempre fala que descobriu-se educador quando deu conta que o processo educativo era muito solitário, tanto para o professor, quanto para as crianças e jovens. Há uma frase muito bonita que o senhor diz que “Projetos humanos são atos coletivos”. É verdade que o coletivo é algo que se aprende e se constrói em cada tempo e espaço diferente, com todos os conflitos e tensões que lhes são próprios? 

Professor José Pacheco: Tenho vivido obcecado pela criação de comunidades de aprendizagem, uma nova construção social de aprendizagem capaz de substituir os obscenos rituais da velha escola.  A expressão “comunidade de aprendizagem” tem sido usada para descrever o fenómeno dos grupos de indivíduos (coletividades), que aprendem juntos. Mas é muito mais do que uma mera coletividade, porque qualquer projeto educacional é um ato coletivo, obra de uma equipe, que partilha valores e que, pela assunção de princípios de ação, o concretiza. Falo de uma equipe, de uma partilha de valores, que pressupõe uma visão de mundo comum, a produção de saberes e recursos úteis a uma coletividade de interação cocriativa, caraterizada pela transculturalidade, envolvida em aprendizagens mútuas, numa convivência intergeracional colaborativa. Falo da criação de laços, do tecer redes.

Uma comunidade de aprendizagem é algo que se aprende e se constrói no cotidiano, em múltiplos espaços, dirimindo conflitos e tensões, um ato de mútuo consentimento.

O Cineasta Franco-suíço Jean-Luc Godard tem uma frase célebre: “O cinema é um instrumento para interpretar e analisar a realidade com liberdade “. Ele foi um dos cineastas que questionou a norma da narrativa. Se criarmos um paralelo com a criança, como podemos apoiá-la a garantir, para que possam criar suas próprias imagens e narrativas? Qual é o papel dos mestres e educadores nessa construção?  

Professor José Pacheco: Nos projetos que acompanho (e onde aprendo), os professores deixam de professar, para assumir uma dupla tarefa: e de tutor e a de mediador de aprendizagem. Propicia condições favoráveis à construção do conhecimento. Não prepara projetos para os alunos; constrói projetos com os aprendizes. O seu papel é diverso: coelabora roteiros de pesquisa, avalia, apoia os jovens na elaboração dos seus planejamentos, estimula o trabalho em equipe, fomenta processos de conhecimento mútuo, valorizar a diversidade cultural, contribui para a aprendizagem em ambiente colaborativo. Nesse contexto, os jovens assumem autonomia, aprendem a interpretar e analisar a realidade com liberdade. Porque não se prepara para a cidadania. Educa-se no exercício da cidadania.

Na infância, onde muitas coisas ainda não têm nome, o sensível é o idioma universal de todas as infâncias. Dos afetos e das artes, qual a importância da beleza na vida que dialoga com essa dimensão de sensibilidade? 

Professor José Pacheco: Se a modernidade tende a remeter-nos para uma ética individualista, nunca será demais falar de convivência, diálogo e participação, enquanto condições de aprendizagem. Porque os projetos humanos contemporâneos não se coadunam com as práticas escolares que ainda temos, carecem de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica clara, baseada no saber cuidar e conviver. Requerem que abandonemos estereótipos e preconceitos, exigem que se transforme uma escola obsoleta numa escola que a todos e a cada qual dê oportunidades de ser e de aprender.

Diz-nos Maturana que a educação acontece na convivência, de maneira recíproca entre os que convivem. Urge, pois, humanizar a educação, concretizar uma educação integral, promover desenvolvimento humano sustentável. E, se o ser humano é mais do que cognição, necessário se torna considerar o papel das artes no domínio do desenvolvimento emocional, afetivo, ético e estético… da sensibilidade.

Ao falarmos sobre o tempo que estamos vivendo hoje, no Brasil e no mundo, como o senhor acredita que podemos apoiar as crianças a pensarem e elaborarem os acontecimentos? Como podemos inserir às nossas práticas e processos com as crianças a discussão sobre ética e liberdade?

Professor José Pacheco: Retomo a afirmação da necessidade da prática de uma educação integral, que seja geradora de um autoconhecimento propiciador do reconhecimento da existência do outro, de atitudes éticas alicerces do caráter. O desenvolvimento de critérios éticos e estéticos é transversal dentro do currículo, podendo ser aprendido enquanto se aprende qualquer disciplina. E participar ativamente da vida social, cultural e política, de forma solidária, crítica e propositiva, reconhecendo direitos e deveres, identificando e combatendo injustiças, e se dispondo a enfrentar ou mediar eticamente conflitos de interesse não pode ser matéria de “anos iniciais ou anos finais”, ou “conteúdo dado no 7º ano”.

O poeta Miguel Torga assim define fronteira: de um lado terra, do outro lado terra; de um lado gente, do outro lado gente… Mas eu vi na TV que, em ambos os lados de um muro perpendicular ao edifício sede do Poder, em ambos os lados dessa absurda fronteira, havia duas “terras de ninguém”, espaços vazios, a precisar de preenchimento. Talvez esse espaço vazio possa vir a ser espaço a ocupar numa reconstrução partilhada entre o vermelho e o amarelo, se os jovens de hoje não forem apenas preparados para a cidadania, mas educados na cidadania, no exercício de uma liberdade corresponsável. 

Existe outro Brasil fora do Jornal Nacional. E, para além de um obsceno confronto, existe um Brasil da fraternidade, onde é possível criar espaços de celebrar o encontro. Por isso, acredito ser possível colocar compreensão no lugar da intolerância e trocar o ódio pelo diálogo. Preciso é não haver dois lados. Outro Brasil é possível. Mas, para que esse Brasil vire realidade, cabe à escola um papel essencial: o de educar integralmente na abertura à diversidade.

Para conferir:

Publicações do Professor José Pacheco disponíveis estão online:

Aprender em comunidade (Ed. SM)

Dicionário de Valores, onde ele apresenta conceitos importantes do ensino-aprendizagem

Entrevista: Vanessa Fort

Foto: Alexandre Mazzo

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Cinema e representações

Uma certa organização das imagens contribui a construção de sentido e representações. Como os elementos da linguagem do cinema facilitam essa construção de sentidos e a apreciação da vida dos outros que, personagens, nos apresentam realidades e modos de pensar distintos?
Sérgio Rizzo, crítico de cinema e professor, conversou um pouco a gente sobre a gramática do cinema. Na Ciranda 2016, Sérgio ministrou a Oficina de Crítica cinematográfica.
Entrevista: Vanessa Fort
Câmera: Vicky Romano
Fotos: Aline Arruda/Ciranda de Filmes
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A presença no mundo da infância

“Redescobre-se a presença no mundo da infância” – Youssef Ishaghpour – crítico iraniano

Poético e singelo, o filme “Balão Branco”, de Jafar Panahi com roteiro de Abbas Kiarostami, conta a história de uma menina de 7 anos que consegue da mãe dinheiro para comprar um peixinho dourado em comemoração ao ano novo. Em uma verdadeira odisseia, a pequena Razieh vive uma série de ameaças dos adultos.

A verdade ou a previsibilidade da criança traduz-se pelo nosso olhar e repertório. O que os saberes infantis, e a sua relação com o mundo que, adverso, nos desafia a cada passo rumo ao nosso objetivo? Como a singeleza da infância que, em sua vulnerabilidade diante de tudo, é uma metáfora de todos nós? A solidão e os perigos, as representações que são universais e que, por outro lado, no contexto Iraniano, representam papeis sociais de sua complexa história e realidade. Em todas elas, quase sempre, a criança sempre expressa a fé pura no seu desejo, e outra crença pura que – mesmo em manifestações de desconfiança que nos educam a ter – sempre mostra a disposição infantil em tentar acreditar no outro. Assim, a pequena menina segue em frente. E a gente também.

A metáfora que resta, e que parece forte ao final, é da poética infantil: o balão branco que “resgata” o peixe, a ideia de primavera que, não só no Irã, abre a alegria do novo e das esperanças renovadas.

O filme “Balão Branco” faz parte da Ciranda 2016, ano em que celebramos os mestres. Entendemos o cinema como um deles que, cheio de dimensões, nos ajuda a descobrir e dar sentido à nossa presença no mundo.

Para saber mais sobre o filme, clique aqui.

THE WHITE BALLOON, (aka BADKONAKE SEFID), Aida Mohammadkhani, 1995. ©October Films

Texto: Vanessa Fort