Folhas verdes fresquinhas vão direto da colheita da agricultura familiar para a da merenda escolar no interior paraense, uma horta é cultivada em meio a cidade de São Paulo, um banco de sementes “dos avós” garante a segurança alimentar de comunidades rurais do interior da Paraíba, crianças são “alfabetizadas” na cartilha de alimentos saudáveis, sem excesso de açúcar, em uma ONG paulista.
Com essas e outras histórias, o documentário “Fonte da Juventude”, de Estevão Ciavatta, nos leva a viajar aos grandes centros urbanos e aos rincões do Brasil em busca de uma receita da longevidade. Sua câmera sobrevoa diversas paisagens, das mais rurais às mais urbanas, das monoculturas e das plantações que preservam a biodiversidade, e aproxima o foco dos alimentos que chegam processados ou em natura ao nosso prato. O que nos alimenta ou como nos alimentamos?
Na busca por algumas respostas, há números que assustam: um terço da população do mundo está doente porque come mal. O Brasil vem seguindo esse padrão, mas com um agravante. “O crescimento do excesso de peso é mais rápido do que em muitos países”, afirma Ana Lydia Sawaya, escritora e cientista especializada em nutrição, uma das muitas especialistas que debatem o tema no filme. E esse quadro já compromete as gerações futuras, uma vez que a taxa de obesidade entre crianças tem aumentado 7% ao ano, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
José Graziano, mentor do programa Fome Zero e diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), acha que é possível reverter essa situação. “Está sobrando alimento. Nós desperdiçamos praticamente um terço do que produzimos.” A grande questão é que as pessoas, especialmente as mais pobres, não têm acesso a frutas, verduras e legumes.
A câmera de Ciavatta viaja pela periferia de São Paulo (SP) para mostrar a realidade de quem vive em um deserto alimentar, ou seja, onde não dá para comprar produtos frescos em um raio mínimo de 400 metros. Passamos pelas prateleiras de um pequeno mercado na zona leste da cidade: só embalagens, nada de hortifrúti. “Eu não dou muito o natural, porque nem tudo a gente encontra aqui, e não dá pra cultivar. Se eu estivesse lá na Bahia, era tudo natural”, diz o segurança Manoel Santos, falando da alimentação de seu filho, Daniel.
O que ele nos conta é um exemplo de como o desenraizamento cultural de quem migra da roça para áreas urbanas leva ao abandono do consumo de alimentos frescos. Comendo biscoito e tomando refrigerante cedo demais, Daniel chegou a pesar 19 kg aos dez meses de vida, um quadro que só foi revertido com reeducação alimentar. Como ele, 60% das crianças brasileiras ingerem açúcar antes dos dois anos. “É uma situação gravíssima, pensando na formação do hábito alimentar”, afirma Gisela Solymos, do Centro de Recuperação e Educação Nutricional.
Cuidar da boa alimentação das crianças, descobrimos, é o primeiro passo para reverter esse quadro e, ao mesmo tempo, estimular a produção agrícola. “O ambiente escolar é o mais estratégico para discutir a alimentação”, diz a economista Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Afinal, uma rede pública que alimenta 43 milhões de crianças tem o poder de fortalecer a agricultura local, como vemos em Paragominas (PA). Lá, as escolas preparam a merenda apenas com alimentos comprados de produtores da região. “Tem dia que a gente vende 700 pacotes de cheiro verde, 300 pés de alface”, demonstra o produtor José Carlos Ferreira.
Na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), conhecemos Vanessa Danciger, que virou uma pequena agricultora urbana para ajudar o pai a se alimentar melhor e se livrar do excesso de peso e de problemas como diabetes e hipertensão. Deu certo: depois de passar a comer mais vegetais e frutas, o fotógrafo Maurício Danciger deixou de ser um cara de 130 kg que tomava cinco remédios por dia para chegar aos 90 kg sem precisar tomar mais nenhuma medicação.
De lá, entramos na mata para aprender que a flora brasileira tem 46 mil espécies, das quais 10 mil são comestíveis, segundo o biólogo Valdely Kinupp, professor do IFAM (Instituto Federal do Amazonas). Essas PANCs (plantas alimentícias não convencionais) podem ser consumidas como salada, em sopas como o caldo verde ou empanadas. Ele arranca uma folha verdinha de urtigão. “É riquíssima em boro, molibdênio, ferro, zinco, que são elementos que faltam, inclusive, em alimentos ultraprocessados”, conclui, comendo a folha que estava enrolando.
Seguindo viagem, chegamos a Santarém (PA) para ver como se prepara a mujica, uma sopa grossa de peixe amassado com uma farinha feita com uma das 41 variedades de mandioca da região e que leva vários tipos de PANC, como o cariru, a vinagreira e a alfavaca. “O ato de comer vai além de se alimentar. É cívico, é cultural, é social. É a primeira alavanca em defesa da biodiversidade. Quanto maior for o nosso paladar, mais seguras estarão as nossas reservas naturais”, defende o chef Alex Atala.
Sobrevoando canaviais, passeando por hortas urbanas, entrando na selva e mergulhando em sementes típicas do Brasil, percebemos que o que colocamos no prato não muda só a nossa saúde. Essa escolha tem o poder de transformar todo um modo de produção.
Comer melhor, portanto, é uma maneira de incentivar um novo padrão agrícola. É decidir se vamos fortalecer os 4,5 milhões de agricultores familiares ou os 500 mil trabalhadores de grandes latifúndios; definir o sucesso de um produtor orgânico ou dos produtores de defensivos. “A comida é um ato político. Se a gente não pode escolher o que comer, a gente está sendo refém da política dos outros”, conclui a culinarista e apresentadora de TV Bela Gil.
Texto: Bruna Fontes