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16/05/2017

“A luta deste tamanho é agora”

Em novembro de 2015, estudantes da rede pública de São Paulo surpreenderam o país com uma atitude inusitada. Às vésperas das férias, os secundaristas se trancaram dentro das escolas, deixando professores e diretores do lado de fora. Sua mensagem era clara: não sairiam enquanto o governo estadual não desistisse da reorganização que pretendia fechar 94 escolas e remanejar alunos para outras unidades, na tentativa de cortar gastos com educação.

Essa é a história que todo mundo conhece. Já a que o cineasta argentino Carlos Pronzato nos conta no documentário “Acabou a paz – Isto aqui vai virar o Chile” é outra: a narrativa com a voz dos jovens que se engajaram na ocupação de 200 escolas estaduais durante 26 dias, sem a mediação da mídia ou do governo. Esse é seu segundo filme sobre esse tipo de mobilização: ele já havia acompanhado as ocupações escolares chilenas de 2006 e dirigido o documentário A rebelião dos pinguins (como são chamados os secundaristas chilenos), que inspirou as ações dos estudantes paulistas.

De saída, os jovens deixam claro que gostam, sim, de suas escolas, e não querem estudar longe de casa e dos amigos sem receber mais explicações. “Essa reorganização chegou do nada. A gente não quer sair daqui porque ele acha que é melhor fazer isso. Até porque a gente sabe que não vai melhorar”, diz Ariane, da Escola Estadual Godofredo, referindo-se ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, retratado com chifres em uma caricatura desenhada em papel pardo atrás dela.

Para os estudantes, a fórmula para a melhoria do ensino é ter menos alunos em cada sala, mais professores e melhor estrutura – o que em muitos casos, eles contam, significa apenas abrir a porta de uma biblioteca trancada ou dar acesso a quadras esportivas que já existem. “Eu estudei a minha vida inteira em escola pública. É triste falar, é pesado, mas eu não aprendi nada em 11 anos”, diz Manuela, da Escola Estadual Alberto Conte, em frente a uma pequena montanha de livros jogados em uma grande sala que virou depósito para obras que os alunos nunca leram.

Com a recusa do governo ao diálogo, os secundaristas vão às ruas. De braços dados, vemos os jovens erguendo faixas com as reivindicações e parando o trânsito paulistano levando suas carteiras para as avenidas, num claro pedido de apoio da sociedade. Do outro lado, a fileira de policiais avança batendo ritmadamente o cassetete nos escudos erguidos, um prenúncio da batalha. “Por que vocês estão levando ele preso?”, questiona o jornalista Caio Castor, antes de sua câmera sair de cena com um tapão.

Ir às ruas tampouco surtiu resultado: o governo manteve sua posição. “O grupo foi percebendo que não dava para ficar só pedindo as coisas, a gente ia ter que exigir”, afirma Francisco “Chico”, da Escola Estadual Fernão Dias. Inspirados pelas cartilhas dos “pinguins” chilenos, os alunos resolveram, por fim, ocupar as escolas. No documentário, eles contam como criaram seu próprio modelo de gestão e ensino. Abriram as portas das quadras e bibliotecas, revezaram-se para fazer a comida e a faxina, organizaram saraus e receberam especialistas para aulas-debate sobre temas como maioridade penal, feminismo e exploração do mercado de trabalho. “Esse mês da ocupação foi a escola ideal para muitos. Aqui todo mundo tinha voz, não era uma coisa vertical, que vinha de cima para baixo”, diz Douglas, da Escola Estadual Diadema.

As decisões sobre os próximos passos da ocupação foram sendo tomadas em assembleias que reuniam membros de todas as escolas que participaram do movimento. Juntos e organizados de maneira horizontal, sem lideranças, os estudantes perceberam que a força de transformação partia de dentro de cada um. E que o momento de agir é o presente, não um futuro idealizado. “A luta deste tamanho é agora”, gesticula, enfaticamente, um estudante não identificado da Escola Estadual Maria José. Depois de 26 dias de ocupação, o governo estadual capitulou e suspendeu a reorganização escolar. Os secundaristas não se deram por satisfeitos. “Não colocaria [isso] como uma vitória, e sim uma conquista”, conclui a jovem Thayná.

Texto: Bruna Fontes