Olhares

Sobre o cuidado consigo, com o outro e com o ambiente escolar

28/11/2023

Por Mayara Rozário, jornalista de cultura

Revisão: Thais Caramico, jornalista, pesquisadora de literatura para a infância, sócia-fundadora do Estúdio Voador

O que é cuidado para mim, é também para o outro? E para um coletivo de estudantes? Essas foram perguntas centrais que conduziram a roda de conversa “Por uma ética de cuidado na escola”, que aconteceu durante a Ciranda de Filmes – Cuidados Singulares.

Com participação dos educadores e educadoras Ana Elisa Siqueira (Escola Amorim Lima), Rafael Ciancio (Arco Escola-Cooperativa), Terezinha Fogaça de Almeida (Escola Ágora), Leonardo Edileno Wera Tupã Macena (Aldeia Rio Silveira, Praia de Boracéia e Escolas Vivas), e com mediação de Andreia de Jesus, a troca de ideias foi leve, emocionante e inspiradora na oitava edição da Ciranda de Filmes, que aconteceu no Espaço Itáu de Cinemas – Augusta, de 6 a 8 de outubro de 2023.

Pensar em uma escola para todos é um exercício diário e que requer muita observação e senso individual e coletivo. Para Terezinha Fogaça de Almeida, formada em Letras e que trabalha com educação há mais de 50 anos, a brincadeira é uma ferramenta importante para isso, uma vez que ela cria um vínculo e se mostra como uma das formas que as crianças têm para entender o mundo dos adultos.

A professora também reforçou que através do brincar, as escolas podem recuperar uma sensibilidade necessária para lidar com os alunos, assim como a arte e a natureza, que ajudam a ampliar a delicadeza do encontro e do se relacionar com diálogo, afeto, escuta e empatia.

“Não é ciência, não é técnica, é a arte de transformar a sociedade. Acho que uma boa escola é aquela que oferece o que está faltando para a sociedade, e o que está faltando não é tecnologia e nem informação. Está faltando convivência, olhar no olho, recuperar a humanidade. Está faltando reconstruir essa delicadeza que é humana. Antes de qualquer preocupação pedagógica ou metodológica, é importante refazer esse caminho da humanidade. É preciso uma experiência de encontro, um reconhecimento da diversidade. Isso deveria acontecer na escola, mas não é estimulado”, refletiu.

Entre as poucas instituições de ensino que colocam em prática os fatores destacados por Terezinha está a Amorim Lima, escola pública municipal em São Paulo, onde Ana Elisa Siqueira é pedagoga e diretora.

Ao compartilhar com os colegas de profissão presentes na roda e com o público a proposta da escola e o senso de pertencimento que conseguiram criar, Ana afirmou a alegria de contribuir para a construção de uma escola singular, que preza pelo coletivo, mas que também respeita o indivíduo e suas particularidades, criando assim um lugar para cada pessoa que pertence àquela comunidade.

Ela também ressaltou a importância de possibilitar o desenvolvimento de um ambiente acolhedor e propício para gerar conexões e fortalecer uma jornada constante de descobertas e aprendizados.

“Algo muito importante foi exercitar e ver a escola que eles estavam, as dificuldades que a escola pública tinha. A partir disso, começamos o exercício dentro do Conselho de Escola, um órgão onde discutimos esse projeto, para que a gente pense na escola que temos e a que queremos ter. Acho que isso é essencial para construirmos um lugar que não pertence ao Governo e sim as pessoas que fazem parte daquela comunidade”.

A urgência de cultivar o ambiente escolar como algo intrinsecamente ligado ao cuidado com o indivíduo, o coletivo e o planeta, possibilitando o sentir de que todas essas dimensões nos pertencem, também foi um tema levantado por Andreia de Jesus diante da experiência da filha na Escola Amorim Lima.

“Como mãe, uma das coisas que mais me encantou na Amorim foi essa parede alaranjada que a gente vê de fora quando vamos chegando, que nos comunica que naquele lugar alguma coisa todos dias está recomeçando. É legal ver o sentimento de pertencimento dos alunos e como eles pensam ‘é público e eu cuido dele justamente porque é de todos nós’”.

Leonardo Edileno Wera Tupã Macena, educador indígena da etnia guarani, nascido na Reserva Indigena do Ribeirão Silveiras, alimentou o debate com a apresentação do conceito de escola viva, cultivado pelas comunidades indígenas, onde a vida e os acontecimentos cotidianos e a troca de conhecimento com o próximo são pilares para o ensino e o aprendizado.

“Temos o nosso próprio tempo e o valorizamos. Usamos um tom de voz baixo e sereno para que todos consigam focar, prestar atenção e se manterem calmos, tranquilos. Temos uma experiência de escola totalmente diferente, uma educação onde tudo é sala de aula, a vida como uma escola. Existe uma escola viva e ela proporciona uma preparação para várias coisas, para a vida”, reforçou.

Já Rafael Torrano Ciancio, professor-cooperado na Arco Escola-Cooperativa, falou sobre como escolas públicas e privadas ainda não são ideais, uma vez que a escola ideal é a que pertence a comunidade que a frequenta e de como a Arco busca atuar nas problemáticas que cercam essa questão. O docente explicou que a escola tem como pilares a autonomia como um meio de cuidar de si e do próximo, a cidade como um produto da nossa ação no mundo e o trabalho como um intercâmbio com a natureza, com os outros e com tudo o que fazemos, inclusive estudar.

“O mundo não vai bem e as pessoas passaram pela escola, logo elas estão formando as pessoas para esse mundo que não vai bem. Ou seja, não vão bem também. E precisávamos ir contra essa lógica. Por isso, na criação da Arco, o modelo de cooperação nos pareceu bom, porque nos permite estabelecer relações horizontais, diferentes dessas relações do mundo que são muito degradantes e tem milhares de problemas. Nós estabelecemos um modelo de horizontalidade entre os professores, cuidando de todas as funções, mas sem nomear chefes, diretores ou alguém com mais poder dentro da escola. A escola não é um bem, é um lugar de trabalho e só. E dentro disso decorre um método de fazer uma pedagogia onde a ética do cuidado está em tudo”.

Depois de exercitar a escuta, a roda se abriu e floresceu com as reflexões e perguntas do público, colocando o modelo de cooperação que Rafael destacou em prática. A mediação de conflitos, o papel do professor e como fazer a violência presente na sociedade e refletida na escola adormecer foram assuntos discutidos com atenção e responsabilidade, dois cuidados singulares que junto as trocas desse encontro, serviram para renovar as energias e a esperança na construção das escolas ideais.

Fotografias: Vanessa Zanforlin