Olhares
Sobre conflitos e representações
14/05/2015
Algumas prosas sobre o Filme Minhas mães e meu pai da diretora Lisa Cholodenko
Se falarmos um pouco sobre o argumento do filme, podemos dizer que é a história de uma família convencional, formada por um casal, seus filhos adolescentes e uma quantidade de problemas que os afetam individual e coletivamente. Esses conflitos aumentam quando um desconhecido se aproxima e convive com seus hábitos e os costumes. Nesse momento, os discursos são modificados para reorganizar os papeis que cada um cumpre em favor das regras estabelecidas pelos cânones que a sociedade dita sobre o que é “ser família”. Por outro lado, o outro é o início da mudança.
Mesmo que essa breve introdução omita a informação de que o casal protagonista é formado por duas mulheres, isso não altera a principal questão do roteiro, que é dada por outros motivos: os problemas, as crises, as conversas, os silêncios, as brigas, as ausências, os medos, os egos, a superproteção e as consequências da combinação de algumas dessas questões existem em todas as famílias, independente de suas orientações, crenças e sonhos.
Pensando nos papeis desempenhados em uma sociedade heteronormativa, poderíamos chegar a pensar que o filme não tem nada de conservadorismo. Quando pensamos em um casal de pessoas do mesmo sexo, cria-se uma expectativa de vanguarda e rompimento das tradições. Por tal expectativa estar longe de ser verdadeira, esse filme de 2010 questiona o modelo conservador imposto pela sociedade. Observamos no cotidiano desse casal uma reprodução de papeis que, historicamente, é construído por uma arquitetura de imposições e subserviência de uma das partes sobre a outra. Essa postura sugere um descolamento entre gênero e visão sexista. Ou seja: uma coisa não tem a ver com a outra. Ao contrário: somos semelhantes em tudo, independente de nossa orientação.
Outra característica que nos faz semelhantes é o fato de que, a todo momento, nos submetemos a modos padronizados de ver e de ser. É sobre essa dimensão complexa que o filme navega. O descompasso entre um padrão estabelecido de família e a inadequação do casal acaba encontrando a válvula de escape em situações inesperadas e nas experiências dos filhos. O desafio de manter um modelo de família a qualquer custo cria uma atmosfera quase inverosímil de perfeição e adentra um universo pantanoso de representação e fabulação de uma realidade dura e imperfeita.
Como criar e reconhecer outros conceitos de família tendo como dimensão básica a construção de novos tons e vínculos? Como os processos educativos podem romper estruturas e dinâmicas de poder e apoiar a formação baseada na alteridade e na empatia, na igualdade de direitos e de deveres, e numa vida comunitária saudável e livre?
Esperamos que o filme estimule a essas e a outras perguntas para seguirmos pensando e alimentando a liberdade de ser e de olhar. Bom filme! 🙂
Mais informações sobre o filme aqui.
Boa Ciranda para todos nós!