Olhares
O fio invisível que religa os homens
11/05/2017
Os irmãos Daud e Aishah caminham pelas ruas do Brooklyn, Nova York. Ele, um garoto de 11 anos; ela, uma jovem que acaba de passar na faculdade. Ele veste o “thoubh”, traje longo e branco que o difere dos outros meninos não muçulmanos da rua; ela, o “hiyab”, que cobre a sua cabeça, deixando o rosto à mostra. Ao lado, um parque. Adolescentes jogam bola, que escapa e ultrapassa a grade que separa os dois ambientes, caindo ao lado do menino. Ele a devolve. É recompensado com insultos. “Isso é América!”, chega a gritar uma menina, gargalhando. Os irmãos, abraçados, saem apressados.
A cena é parte do longa-metragem “David”, ficção com não atores dirigido pelo americano Joel Fendelman. Dentre os muitos desafios de ser muçulmano na cidade do 11 de Setembro, o diretor optou por uma abordagem outra. Segue por uma trilha permeada de tensões que aos poucos revela aquilo que fortalece as identidades – religiosas ou culturais. Olhar o outro é se ver mais de perto.
O filme marca o encontro entre dois meninos, uma amizade pouco provável, ainda que no contexto multicultural de uma cidade como Nova York. Daud, muçulmano, e Yoav, judeu. Abre os poros das tensões que resistem nas comunidades árabe e judaica de Nova York a partir de um encontro. Acompanhamos a história pelo olhar silencioso de Daud, que parece ilhado por um sentimento de solidão.
O menino muçulmano está sempre às voltas com as atividades na mesquita liderada por seu pai, um homem austero que tem que lidar com as questões do tecido da sociedade americana. Aishah, a irmão de Daud, ganha uma bolsa de estudos na Universidade de Stanford, na Califórnia, e tem sua conquista negada pelo pai, que não a quer longe de casa. O embate é entre a tradição e os novos valores por ela incorporados, de que a mulher deve ser livre para estudar e trabalhar. É também entre gerações de uma mesma cultura, que veem o mundo sob diferentes perspectivas. É na relação pai e filha, homem e mulher.
O conflito principal, no entanto, é o do jovem Daud, que, por um engano, acaba adentrando a comunidade judaica. Ele passa a frequentar a escola de Yoav, com quem se vincula, cria uma irmandade que ainda não tinha experimentado. É ali que surge sua identidade dupla, um outro nome: David. Aos 11 anos, o menino passa a ampliar o que entende de si, investigar novos universos a partir do diferente. Das dificuldades surge a oportunidade da descoberta e da jornada pelo autoconhecimento, tão comum nessa fase da vida.
Assim, o cenário que poderia ser a réplica de uma Faixa de Gaza adquire uma atmosfera de aprendizado. O que poderia ser desprezo transforma-se no fascínio de Daud pelo judaísmo, num tom ecumênico. No ritmo pausado em que se desenrola a história, os diálogos acontecem por inteiro, o falar e o escutar.
A tolerância é matéria-prima para a história. Em uma sociedade permeada por diferenças e contradições, encontrar uma maneira de convivência é aquilo que nos faz sobreviver. É, afinal, o que a religião (do latim, religare, unir, ligar) faz: tece o fio que interliga os homens, dá luz à humanidade para suportar a ideia do desconhecido, busca explicar o que permeia o invisível.
Confira vídeo do diretor falando sobre a produção (em inglês).
Texto: Gabriela Romeu e Luísa Cortés