Olhares

Inícios e tonalidades infantis

25/08/2021

Sobre o  “Na idade da Inocência”, Dir.: François Truffaut. Filme participante da Ciranda 2015.

Um clássico de cinema tem a força de sua atemporalidade, marca uma época, a história inteira do cinema, e a história de várias gerações. François Truffaut fez parte de uma geração de cineastas e críticos franceses que colaboraram para, entre outras coisas, a consolidação da ideia do cinema de autor.
De forma recorrente, Truffaut fez uma série de inserções biográficas em seus filmes, como alguém que mistura sua vida à das personagens, na intenção de articular sentidos para si e compartilhá-los com os demais, como o próprio exercício do viver. Em todas as entrevistas concebidas,  ele sempre falou isso com muita naturalidade, identificando e abrindo sua história pessoal em meio as explanações sobre seus filmes e sobre o cinema de um modo geral.
O filme “Na idade da inocência” é uma dessas interações com uma forte declaração sobre a infância, seu desejo de autonomia e sua necessidade de ternura. Entre personagens criados, colhidos e descobertos em Thiers, uma pequeno município no Puy-de-Dôme, na França (onde foi gravado o filme), está a representação da força irreversível da vida e dos seus ritos de passagem, das descobertas e manifestos em favor da emancipação das situações dadas,  o amadurecimento precoce, etc. Todas as fases da infância são representadas, desde a sua espera, a primeira infância, os anos posteriores até os 12 anos de idade.
A infância e a adolescência se identificam com a vida como iniciação. A infância como início, nascimento e alumbramento. O filme vai fazendo descobertas e nos apresentando as realidades da vida infantil, seus traços de absurdo e tudo aquilo que a infância dilata e torna único. Na relação entre ficção e realidade, há conexões com a lógica e a construção de significados infantis.
Truffaut escolheu trabalhar com situações mais flexíveis que permitissem com que as crianças – oriundas dessa cidade – interagissem com as intenções do filme e inserissem, sem artificialismos, sua participação ao filme. Ele optou por não fazer das crianças arautos de uma história criada por ele; as crianças improvisavam – eram elas mesmas, a todo momento. O roteiro indicava apontamentos e objetivos das cenas e, muitas vezes, as falas dos adultos eram como “sementes” da espontaneidade infantil. Assim, nos aproximamos de um mosaico de tonalidades de ser criança, cada uma delas, ao seu modo, se encontra  à diversidade do ambiente escolar.
Os adultos não criam oposição às crianças. Na maioria das vezes, eles são colocados como fracos, algumas vezes como inválidos, outras vezes como prejudicados por alguma situação da vida. Eles não são colocados como pessoas ruins. Por sua vez, o professor é aquele que consegue fazer a mediação com as crianças. Mais do que isso, é aquele que quer estar perto delas.
A cidade se sensibiliza com a história de abandono e maus-tratos do personagem Julien. As crianças estão às vésperas das férias de verão e da finalização daquele ano escolar, uma passagem se enuncia. O professor faz dela um ritual para o crescimento e o amadurecimento, um conselho. Uma relação gente-com-gente, em favor dos direitos da infância, da sua produção de sentidos, significados da vida e de sua felicidade. Ele convida as crianças a acessar a vida, identificar as formas de poder do adulto sobre a infância, identificar o poder que perpassa suas subjetividades infantis na forma de vida e de direitos que devem ser permanentemente reivindicados.  O educador como iluminador de potências.
O professor estimula as crianças como seres políticos que intervêm, eles próprios, em suas realidades, munidas de seus direitos e da sua vibração de vida. Uma ode à infância como estado de início e emancipação.
Para saber mais sobre o filme, clique aqui.