Olhares

O cuidado é um exercício de presença

04/10/2023

Por Rodrigo Carancho*

Dois ou três cafés em uma vendinha de Palmeiral, distrito de Botelhos/MG, me colocaram em uma prosa com o povo que por ali estava. Os olhos estavam curiosos com minha presença, já que gente estranha por ali pouco andava. Rapidamente fiquei sabendo que existia um benzedor pelos arredores “É seu Antônio, já benzeu todo mundo aqui” me disse um rapaz jovem, parado na soleira da porta enquanto olhava para o cafezal que se estendia em frente. Era a notícia que eu precisava e, agradecendo o café, parti para encontrar esse senhor de 78 anos que morava não muito longe.

Um “ôhh de casa” já foi suficiente para seu Antônio aparecer na porta enquanto enxugava as mãos. “ô meu filho, pode passar” me disse enquanto abria o portão para mim, não me dando nem chance de pedir licença. Seu Antônio me olhava fundo nos olhos enquanto eu explicava o motivo de estar ali.

Tive chance de conversar por duas horas com ele enquanto tomávamos café. Sua história, formada por grande labuta nas roças do sul mineiro, era repleta de sinais de fé e relação espiritual com o entorno. “Mas aprendi a benzer mesmo foi com 14 anos […] isso vai se passando de pai e mãe pra filho[…] o que importa é entender que ajuda a pessoa precisa, porque às vez ela não consegue falar[…] se é um cobrero é mais fácil, porque a gente vê, agora se for outra coisa como mau olhado às vez a pessoa não consegue dizer”. O que me sobra a mim – mero curioso desse mundo profundo – comentar sobre uma fala como essa?

Seu Antônio, um manancial de simplicidade, possui uma das características mais fundamentais de um cuidador: A presença. A sensação que o nosso encontro me despertava era que para ele o mundo começava e se encerrava em nossa conversa e nada mais existia. Me ouvia com atenção e respeito, embora nossa diferença de idade. Suas grandes mãos gesticulavam com cuidado pelo ar morno da casa enquanto seus rosários balançavam. Humildade e confiança em cada palavra ia dando o tom de outra alquimia com o tempo: sem ansiedades, expectativas ou vaidades para demonstrar saber algo.

O exercício da presença é ponto essencial para uma relação de cuidado, mas em um mundo que se atravessa e nos convoca para estar sempre em outro lugar, acaba não sendo tarefa fácil. Essa inteireza no encontro foi a característica que costurou todas as histórias que encontrei nos cuidadores e cuidadoras Brasil a dentro. Um convite para uma outra relação com o tempo e espaço em que a hora do relógio não dita o ritmo da conversa.

Ao fim fui benzido por seu Antônio e nos despedimos debaixo da soalheira dessas Minas Gerais que brotam muito mais do minério, mas a história de gente de cuida.

Cuidar cura.

Sobre o autor:

* Rodrigo Carancho é fundador da Escola Aberta do Cuidado. Esta narrativa é resultado de uma viagem-pesquisa que realizou pelo Brasil profundo e que ganhou o nome de Andarengo – Narrativas de Vida e os Caminhos do Cuidado.