o-
lha-
res
25/08/2021
O tempo e a natureza como mestres da infância
A imersão foi total. Nessa fria manhã de São Paulo, a sala 1 do Espaço Itaú de Cinema Augusta esteve lotada por gente querendo ver, entender e sentir um pouco da experiência vivenciada por Suzanne Crocker e sua família. A canadense decidiu, com seu marido, deixar a vida na cidade – e seus confortos – e passar um período numa região inóspita e gelada no Território de Yukon com os três filhos. Chegaram a pegar – 51oC.
Lá, na cabana que construíram e onde passaram nove meses, não tinham eletricidade, água corrente, acesso para estradas e nem vizinhos.
“Todo o Tempo do Mundo” conta essa história, registrada pela própria protagonista-mãe- diretora – presente na sessão. Para quem tem reclamado da temperatura na capital paulista nos últimos dias, as cenas repletas de gelo, muita roupa, rio e galhos congelados estampadas na telona podem ter causado frio na espinha. Mas as relações entre os cinco membros da família, o afeto entre eles, a forte relação com a natureza, a criatividade das crianças em ocupar seus tempos livres certamente aqueceram a sala de cinema.
Suzanne queria ter uma outra perspectiva, criar uma nova relação com os filhos – com 10, 8 e 4 anos na época. Sentia, em alguns momentos, que estavam se separando. Surgiu então a ideia da viagem – bem anterior à decisão de registrar o dia a dia deles (e originar esse documentário). E agora, mesmo que cinco anos tenham se passado, ela conta que “sente tristeza todas as vezes que vê o filme: a tristeza de sair do mato”.
Foi a relação com a natureza – com seus ciclos e nuances – e a proximidade entre os pais e seus filhos que gerou tanta riqueza. Foi lá que Suzanne sentiu uma “grande alteração da mentalidade” ao dizer muito mais “sim” aos filhos que os habituais e preventivos “não”. Uma das crianças menciona “aquela grande cama familiar” como um dos momentos mais especiais da experiência. Em outro momento, ouvimos também vindo das pequenas: “não, não estou pronta para deixar o mato”.
Na conversa que se seguiu à exibição, a mãe / diretora reforça a questão do tempo e sua percepção. No documentário, ela pontua: “foi incrível o que aconteceu sem relógios: quando se retira essa estrutura do tempo, ficamos no presente”. Atualmente vivendo no Canadá em sua cidade de origem – com seus 1500 habitantes – Suzanne diz que não usa relógio de pulso, não tem celular e o computador necessário para o trabalho é trancado no armário quando não está sendo usado.
Para ela, é fundamental estar integralmente no momento presente. Seus filhos não têm tela à disposição – em nenhum formato – garante que não sentem falta e sabem usufruir de seus tempos livres. Suzanne defende que as crianças precisam de tempo e espaço; que com esses elementos, as brincadeiras surgem, a criatividade brota e as experiências acontecem naturalmente.
Gandhy Piorski, pesquisador da infância, presente no bate-papo, relembra uma fala de Ailton Krenak, líder indígena que esteve na primeira Roda de Conversa da Ciranda. Diz que “a natureza é mesmo como uma mãe rigorosa”. E ele elogia a coragem de Suzanne e seu marido em levar os filhos para um lugar gélido, isolado com o risco de se pegar a “febre da cabana” (referência a algo como o delírio, provocado por temperaturas muito baixas). “Poucas mães têm a coragem de mostrar, de fato, a severidade das coisas”.
Piorski enfatiza também a “busca de um propósito” vivida por aquela família. E destaca a importância das experiências: “As crianças precisam desse grau de inteireza”. Menciona como exemplo, o fato de todas elas manusearem instrumentos reais, como machados e brinca sugerindo que, se fossem de plástico, soaria “falso” porque não repercutiria no corpo.
Texto: Regina Cintra