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23/05/2016
Cordilheira de Amora II
A Cordilheira da Amora II” é um filme que começa quando acaba. Um filme que desperta nosso poder criativo para novas realidades. A Ciranda vai chegando ao fim com a intenção de inspirá-las.
Da Celebração do fim que se inicia, convidamos Jamille Fortunato (diretora), Lia Matos (produtora) e Alexandre Basso (imagens) para compartilhar o processo do filme, suas intensidades, insights e afetos. O filme é um documentário que apresenta o quintal de Cariane, uma indiazinha Guarani kaiowá da Aldeia Amambai, em Mato Grosso do Sul.
Em uma tarde no quintal
por Jamille, Lia e Alexandre
O encontro com a Cariane aconteceu durante a execução do projeto Memórias do Futuro, uma ação produzida pelo Espaço Imaginário, que tem como objetivo pesquisar a Cultura da Infância do Brasil através de um processo de sensibilização do olhar investigativo e criativo de jovens, educadores e crianças. Em ações que se propagam em redes virtuais e presenciais, o Espaço estimula a aproximação de gerações e a troca de conhecimentos e práticas relacionados ao brincar.
Jovens de diferentes grupos culturais do Mato Grosso do Sul: indígenas, quilombolas, ribeirinhos e da cidade participaram das duas oficinas: a de sensibilização para a importância do Brincar e a de técnicas de produção audiovisual. O propósito da segunda era estimular os jovens para uma investigação e documentação de suas infâncias e as infâncias de suas comunidades.
Entre os jovens estava a Francielli Martines, irmã da Cariane, uma das participantes do projeto, integrante do JIGA – Juventude Indigena Guarani em Ação, grupo muito ativo na Aldeia Amambai em MS. Eles defendem e compartilham a memória e Cultura local com um acervo audiovisual maravilhoso.
Fazia parte do processo de formação dos jovens, o acompanhamento da pesquisa dos integrantes do projeto em cada comunidade. Foi justamente durante este período de acompanhamento da pesquisa que conhecemos a Cariane, em um dia em que fomos convidados pela Francielli para conhecer a sua casa e família.
Logo após o almoço a Jamille foi dar uma caminhada nos arredores da casa e encontrou a Cariane. Pouco depois ela nos chamou e disse: “venham ver aqui uma coisa!” Fomos os 3 com outra câmera. Para nosso encanto, o filme aconteceu assim, como as crianças são: de um jeito muito espontâneo. Aos poucos ela foi nos mostrando o universo que havia ali no seu quintal, nos contando suas histórias e sonhos, inclusive de um filme invisível.
Dentro desse processo, uma de nossas tentativas foi capturar para as telas as brincadeiras do imaginário de uma criança. “Cordilheira de Amora II” foi também o resultado dessa busca, regada pelos olhares delicados e pela nossa parceria. Apesar de ter sido um documentário espontâneo, sem planejamento prévio, filmado em menos de uma hora, usando apenas celular e handcam, ele só foi possível porque foi um trabalho em equipe que já vinha sendo realizado. Tivemos todo o cuidado e respeito ao entrar nas comunidades, sempre pedindo licença.
Naquela tarde de quintal, descobrimos muito mais do que já havíamos apreendido até então. E reafirmamos a nossa certeza – e consciência – sobre a capacidade que cada criança tem de transcender e transformar o que já está posto
Questões de território e transcendência de fronteiras
Cariane nos mostra uma realidade de maneira muito sutil: um Brasil riquíssimo e abandonado, com interferências e valores sócio-culturais diversos que chegam às crianças de forma descuidada, muitas vezes descontextualizadas, questões de territórios – suas propriedades, apropriações e novas elaborações.
Mesmo assim a criança alcança e transcende com seu potencial incrível de criação e transformação. Ela e seus amigos nos dizem que, sim, é possível ser bonito, que é possível ter mais respeito, que é preciso ouvir, que é possível ter uma casa, cuidar, passear, transformar a escola em um lugar menos chato, que o lixo não é lixo e pode ser transformado. Cariane deixa acontecer cordilheiras na planície do centro-oeste brasileiro com seus sonhos altos e pézinhos no chão. Assim faz a vida menos seca e mais doce como as amoras! Ela nos diz que é possível transformar!
E, assim, acreditamos que todas as crianças deste mundão carregam cordilheiras de amoras nos seus sonhos e corações. Acreditamos também que o grande potencial do filme, o grande potencial que o cinema é de sensibilizar, educar à transcendência com novas possibilidades de transformação para situações difíceis que estão colocadas no mundo e que parecem impossíveis de serem solucionadas.
E, de forma contrária, a criação, simplicidade e beleza nos dizem que, sim, é possível!