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03/12/2021
A concepção de infância no acervo audiovisual da Casa Redonda
A Ciranda de Filmes acredita na importância de lançar luz sobre práticas educacionais ancoradas na cultura popular brasileira e que, portanto, tenham na natureza o seu lugar primordial de brincadeiras, descobertas, aprendizados e saúde. Foi pensando nisso que, neste ano, incluímos na 1ª Mostra Escola Cirandeira uma homenagem à pedagoga Maria Amélia Pinho Pereira, a querida Peo, que fez sua passagem no dia 2 de outubro, deixando um legado de luz, alegria e amor por meio da criação e de suas práticas com as crianças da escola Casa Redonda, em Carapicuíba.
Nesta homenagem, trouxemos para a nossa mostra cinco belíssimas produções audiovisuais realizadas por ela e seus parceiros, e que agora podem ser vistas aqui. A seguir, Giselle Barros e Lucilene Silva, coordenadoras da Casa Redonda, apresentam um texto escrito por Peo no livro Casa Redonda, uma Experiência em Educação, cedido especialmente para a sétima edição da Ciranda de Filmes.
“Os homens se educam em comunhão.” (Paulo Freire)
As relações que permeiam todo e qualquer espaço educacional, com seu substrato pedagógico e normativo, refletem em última instância a concepção de sujeito que prevalece no âmbito de cada instituição. Por isso, torna-se necessário destacar qual a concepção de criança que fundamenta o trabalho educacional da Casa Redonda.
As crianças são dotadas de potencialidade extraordinária de aprendizado e mudanças, de múltiplos recursos afetivos, relacionais, sensoriais e intelectuais, que se manifestam numa troca contínua com o contexto cultural e social onde vivem. Cada criança é sujeito de direitos e principalmente o direito de ser respeitada e valorizada na sua própria identidade e unicidade, e nos próprios tempos de crescimento e desenvolvimento. Individualmente, na sua relação com o grupo, é portadora de uma sensibilidade ecológica com relação aos outros e ao ambiente, construindo experiências as quais é capaz de atribuir sentido e significado.
A criança, como ser humano, sabe se exprimir, entender, encontrar o outro através de um modo próprio de pensar que entrelaça, reúne e não separa as dimensões da experiência. Toda criança, como todo ser humano, é construtora ativa de saberes, competências e autonomias, através de processos originais de aprendizado, que tomam formas com modalidade e tempos únicos, na relação com outras crianças, com os adultos e com o ambiente.
O processo de aprendizagem privilegia a pesquisa e a coparticipação, valendo-se da criatividade, intuição, curiosidade, propondo a centralidade no prazer de aprender. Educadores como Anísio Teixeira, Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Lauro Oliveira Lima são fontes inspiradoras das reflexões que fundamentam o pensamento de educação que subjaz nas práticas educativas da Casa Redonda.
A pesquisa representa uma das dimensões de vida essenciais das crianças, manifestada através de sua curiosidade que passa a ser uma prática do cotidiano construindo aprendizados e reformulando saberes. Desta forma, o trabalho educacional passa a se dar primordialmente através do conhecimento que o sujeito traz de seu meio social e de sua comunidade, abrindo um espaço para trabalhar a criatividade e a cooperação.
Favorecer as interações sociais entre crianças de diferentes idades possibilita o desenvolvimento de um ser sensível ao ponto de vista do outro, aprender a cooperar e desenvolver formas de comunicação para compreensão de sentimentos e conflitos. Isto inclui a criação de uma atmosfera afetiva de estabelecimento de relações diversificadas, na qual a aceitação de cada pessoa seja objeto de atenção de todo o grupo.
A interação social é o valor que qualifica o modo das crianças, educadores e pais, de participarem do processo educativo, construído na relação diária. A participação valoriza os seres humanos, entendidos como a pluralidade de pontos de vista e de culturas, favorecendo a construção do diálogo e do senso de pertencimento à uma comunidade, alimentando sentimentos de responsabilidade e inclusão sociocultural.
Mais sobre a Casa Redonda e seu acervo audiovisual
A experiência em Educação da Escola Casa Redonda iniciou-se na década de 1980 e continua em permanente movimento, acompanhando o pulsar da vida nas crianças, nos professores, nas famílias e no nosso tempo histórico. Desde a sua implementação, a Casa Redonda realiza a documentação audiovisual das atividades espontâneas das crianças, com as respectivas autorizações dos pais, procurando desenvolver uma pesquisa em ação através do registro das manifestações do brincar como linguagem universal das crianças de dois a seis anos.
Este acervo documental desenvolvido pelos profissionais da Casa Redonda tem como objetivo ampliar as reflexões sobre uma cultura que, sendo própria da Infância, necessita ser conhecida e reconhecida por todos aqueles que desenvolvem atividades nas instituições de educação infantil. Refletindo sobre o modo como poderíamos compartilhar com os pais e demais professores, as imagens geradoras de novas leituras e novos conhecimentos do universo da infância, optamos pela utilização dos vídeos sobre os temas que vinham norteando nossas reflexões a partir das observações feitas no contato diário com as crianças e seus fazeres.
As famílias que fizeram parte das atividades da Casa Redonda durante estes anos disponibilizaram essas imagens e sua veiculação, com o objeto de divulgação de um conhecimento que pode aferir transformações significativas na compreensão da Infância. Trata-se de uma atitude de responsabilidade social dos profissionais da Casa Redonda e dos pais, comprometidos em afirmar e colaborar para que todas as crianças tenham o direito humano de viver sua infância em liberdade e dignidade.
Encontramos em Gianni Puzzo o parceiro sensível de que tanto precisávamos para a elaboração dos vídeos que hoje fazem parte do acervo referencial da Casa Redonda e fundamentam visualmente os temas dos capítulos que também compõem o livro: Casa Redonda – uma experiência em educação com crianças, de Maria Amélia Pinho Pereira, publicado pela Editora Livre (segunda edição, 2019).