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29/10/2020
Veoveo: é preciso aumentar nosso repertório
por Renato Nery e Vicky Romano, fundadores da Veoveo
Ludo tinha 4 anos quando viu pela primeira vez a Patrulha Canina. Depois de alguns meses quase enlouquecemos! A música de abertura insistia e quando menos esperávamos surgia em looping em nossas cabeças. Naquele momento, em 2017, ficou claro que, no meio de tantos brinquedos, livretos para colorir e todos os produtos transmídia lançados, que a série era um chiclete com grande poder de persuasão. O fascínio estético induzia a hipnose, a trama flat com sua confortante e controlada modulação baseada em causa e efeito criava uma sensação de que não existia conflito. Aqueles personagens fofos e estereotipados escondiam uma estrutura hierárquica velha que reforçava junto com o combo padrões de preconceito que não queríamos!
Pela primeira vez ficamos incomodados com todo aquele desejo. Afinal, até então foram alguns anos dedicados aos conteúdos para crianças. E agora com a audiência ali, bem pertinho, tínhamos que desenvolver todo tipo de estratégia para resgatá-lo daquele poço sem fim. A ironia era que quase 80% dos temas da série se referiam a algum tipo de resgate e para resgatá-lo começamos a buscar e catalogar conteúdos diferentes, alternativos, uma luta contra o algoritmo da rede que insistia em não mostrá-los. Aquela internet dos anos 90 já não existia mais, toda aquela promessa de acesso livre tinha sido subvertida pelo hábito e exploração econômica. Tudo está automatizado. O algoritmo reforça apenas o padrão. Este discurso “smart”, na verdade, esconde um usuário pouco inteligente. Então, se o seu filho sabe mexer em um sistema de navegação intuitiva, num smartphone, não significa que ele esteja desenvolvendo o cérebro, significa que ele está funcionando dentro do padrão, sendo condicionado a não pensar. Foi justamente pensando numa alternativa a isso que começamos a desenhar Veoveo.
O primeiro passo foi observar e comparar. Em nossa infância tinha o que tinha, no tempo que tinha. Hoje temos muito do mesmo, em grandes quantidades, em qualquer momento, e de qualquer jeito. A escassez de antes exigia momentos de compartilhamento e espera. Duas qualidade importantes para serem desenvolvidas numa criança, a generosidade e a paciência. Sem paciência e acostumados ao mundo do seu jeito, dizer não ganhou peso. Muitos adultos, querendo evitar o conflito e silenciar a infância delegam a missão de educar a uma tela. Só que a tela não educa, a tela forma, ou informa, cria os contornos, que não são percebidos pelo indivíduo como contorno ou a impressão de conhecimento, o recheio. Portanto, a tela não cria o conjunto de experiência que o mundo real e as relações criam, que uma educação viva e dialética cria.
Dizer não virou um desafio, principalmente para os adultos que cada vez mais distantes dos universos das crianças e dos conteúdos infantis não conseguem oferecer o diferente. Mas, como diria o alto executivo daquele famoso canal – “ as crianças são exigentes e sabem o que querem, por isso elas gostam do meu canal”. Sim! Elas querem chocolate, e é missão dos pais, mães e adultos minimamente atentos ofertarem o diferente. Não é à toa que estamos vivendo um tempo de fome e obesidade.
Com isso, desenvolver o olhar é preciso, conhecer minimamente a linguagem parece ser o caminho para perder o medo de se aventurar em acervos e conteúdos não navegados. Perceber que o conceito de qualidade não pode ficar preso ao ultra realismo dos 3Ds ou aos movimentos frenéticos e gags bem construídas dos cartoons. Para resgatar as crianças das mesmices é preciso aumentar nosso repertório e a capacidade de reconhecer e perceber as muitas maneiras de se contar histórias.
A indústria do audiovisual, como qualquer indústria corre atrás da fórmula do sucesso e encontrou nos sistemas da internet um perigoso aliado. O mapeamento dos hábitos e a constatação do consumo automático aprofunda a oferta de conteúdos preocupados apenas em atender expectativas. O resultado é o que estamos vendo, conteúdos ordinários, e um sistema viciado que nivela a criação por baixo. Conseguimos algum respiro garimpando conteúdos fora das grande plataformas de streaming, dos grandes circuitos de salas de cinema, ou dos grandes canais. Em Veoveo buscamos por criadores que expressam em seus conteúdos seus anseios, inquietudes e sua visão de mundo. Não são muitos, mas os poucos que persistem fazem toda a diferença e irão enriquecer o olhar das nossas crianças.
Por último, a chave não é o radicalismo e criar a criança numa bolha de conteúdos “cabeça”. Os conteúdos de sucesso criam um código e a sensação de pertencimento típico da comunicação de massa. A chave é assistir juntos, ritualizar, tornar o ato de assistir uma experiência de surpresa, encantamento e conversa.
Esperamos que desfrutem de Veoveo, nós adoramos todos os filmes que estão aqui.